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Heróis são a gente comum que se insurge

Aurora Rodrigues, 72 anos, torturada aos 21 pela PIDE

Não há heróis. São as pessoas comuns que, perante acontecimentos ou circunstâncias determinantes, “quebram a inércia e dão um passo em frente pela defesa do bem comum”. Aurora Rodrigues, de 72 anos, torturada aos 21 pela PIDE e opositora ao Estado Novo, recusa o epíteto de heroína que lhe atribuem, porque “se acharmos que só os heróis é que resistem, então ninguém faz nada” e considera que todos temos essa obrigação.

Com pronúncia alentejana acentuada, a magistrada aposentada, de visita à Covilhã, onde esteve em escolas e na Coolabora, disse existir um legítimo descontentamento das pessoas com o que observam, mas defendeu que a revolta tem de ser no sentido de obrigar a aperfeiçoar a democracia e a melhorar os problemas de que a sociedade enferma.

O que está a acontecer, nomeadamente com o crescimento de forças de direita radical populistas, e de vozes que se começam a fazer ouvir a apelar a retrocessos dos direitos das mulheres, é “uma revolta caótica”, para a qual encontra “imensos motivos”, mas alertou que esse descontentamento não deve fazer as pessoas escolher “uma coisa pior”, porque “a democracia pode e deve ser aperfeiçoada, admite mudança, ao contrário das autocracias”.

“De certo modo, está a existir uma revolta caótica, e a revolta não pode ser caótica”, analisou a antiga presa política, sujeita durante “16 dias e 16 noites” à tortura do sono, menstruada e sem poder fazer a higiene básica. Uma forma de humilhação, considera. Também passou pelo “afogamento” e pelos espancamentos, por não concordar com um Portugal amordaçado e em ditadura.

Aurora Rodrigues, que um patrono permitiu continuar os estudos e que, na Faculdade de Direito, ouvia os professores dizerem que as mulheres “não tinham fortaleza de ânimo” para a frequentarem, “mas tinham para serem torturadas, a hipocrisia do regime fascista”, apela aos partidos políticos para “saírem das suas bolhas”, não viverem entre si nem beneficiarem quem é do aparelho e ouçam quem representam, trabalhem para uma sociedade igualitária, em que exista maior justiça social e menos privilégios apenas para alguns.

“Nas democracias, os governantes têm de saber ouvir os governados, as preocupações e exigências da população. De certo modo, houve uma arrogância do poder que afastou as pessoas”, disse a magistrada, ao NC.

Aurora Rodrigues frisou que existe hoje uma revolta não organizada nem pensada, porque houve muita desinformação, muita manipulação de quem tinha dinheiro para o fazer e as pessoas ouviram muitas mentiras e acreditaram nelas, além de constatar que “a generalidade das pessoas desconhece o que foi a ditadura”.

A magistrada oriunda de uma família pobre do Alentejo espera e deseja que os tempos sombrios de outrora não se repitam. Se acontecer, “são as pessoas comuns que vão resistir, aquelas que hoje talvez ainda não tenham entendido o perigo em que estão, porque há alturas na vida em que a consciência desperta”. No seu caso foi quando, sentada na cadeira ao lado, viu um PIDE tirar a arma do bolso e disparar sobre o amigo Ribeiro dos Santos.

 

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