Lá está. Dito a correr, ou comendo as letras, pode soar a aspersão. Mas não. Não é liberdade de aspersão. Não devemos confundir aspersão com expressão. Aspersão é outra coisa, o acto de borrifar, muito utilizado – dizem-me – nos baptizados, atirando água, benta, sobre a figura da cerimónia. Com o aspersório, que em movimentos mais colectivos é usado pelos padres para aspergir o povo. E bem sabemos como a malta gosta de ser aspergida. Abençoada, vamos lá. Num processo mais individual, passando água pelo ego, há o “estou a borrifar-me”, no Brasil “tou nem aí”, em “americano” “i don´t care”, o que significa a frescura de atirar “gotículas a si próprio”, estar-se maribando para isto, para aquilo, para o que aquele pensa, o que aquela faz. Ora dispensando o aspersório a minha aspersão vai, toda, para os limites à liberdade de expressão. Desde que aquele outro, o líder do gang dos boçais, para quem me borrifo de alto a baixo, “abriu o bico” e fez mais uma vez “piu-piu” é um ver se te avias de tipos e tipas, da esquerda à direita definindo limites, colocando linhas vermelhas (expressão do nosso tempo) à Liberdade de Expressão. Foda-se, não há limites. É uma manifestação livre, um direito intocável. Absoluto. O mais primário e genuíno. Mesmo quando esse exercício de liberdade se traduz numa ofensa injustificada à integridade moral, ao bom nome ou à honra de outra pessoa, ou de um grupo de pessoas. Difamação, ofensa ou injúria. Mesmo assim, quem numa sociedade verdadeiramente livre pode coartar a expressão do pensamento através da palavra. Sente-se difamado? Acha-se ofendido? Sofreu injúrias? A lei protege-o, está na Constituição. Pode accioná-la contra quem o ofendeu, difamou, injuriou, naturalmente no uso do direito de se expressar livremente. Mas afinal, quem nos pode condicionar, dizendo o que devemos ou podemos dizer? Se cairmos na tentação, estamos a atentar contra nós próprios. Porra, quero pensar, dizer, escrever. Correndo o risco de que as minhas opiniões possam causar sensações, provocar julgamentos, condicionar comportamentos. Afinal vivemos num pais que evidencia claras dificuldades para aceitar a democracia. Onde os adeptos do fascismo proliferam, disfarçados de convenientes amantes desta, e de outras liberdades. É tão revelador. Passaram cinquenta anos caramba, e nós andamos nisto. Sem saber o que escolher, sempre prontos a julgar. Estou a borrifar-me. “Atirem-me água benta”!