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“É desmotivador perceber que, apesar de algumas conquistas, falta um reconhecimento adequado no meu próprio país”

Telmo Guerra, 50 anos, natural do Tortosendo, emigrou há 12 para Neuchâtel, na Suíça, onde é educador social, mas se tem destacado pelas peças de arte, onde utiliza elementos da cultura portuguesa, e foi distinguido pelo Comité Olímpico Internacional. Viver das suas criações é um desejo que ainda lhe parece distante e lamenta a falta de convites para projetos na região

Notícias da Covilhã – Tem o mestrado em Psicologia e é técnico social. Quando nasce o Telmo artista?

Telmo Guerra – Todos temos dentro de nós a centelha criativa que só precisa de um estímulo para se acender. Desde pequeno que sinto uma vontade incessante de criar, sobretudo depois de conhecer o trabalho de Picasso. A arte é uma linguagem universal, que todos nós possuímos, mas nem todos encontramos a coragem ou a oportunidade de a usar. Acho que o mais complicado é mesmo ter a oportunidade de a usar. Ao olhar para trás, vejo que o meu caminho como artista começou muito antes de eu perceber.

 

Tem feito trabalhos para o Comité Olímpico Internacional (COI) e foi agraciado em junho com a medalha Pierre de Coubertin. O que viu reconhecido com esta distinção?

É a maior recompensa oferecida pelo COI, foi entregues e 45 pessoas e fui o único português a receber tal honra. É entregue a personalidades e instituições com uma vocação pedagógica e educativa, que, pelo seu ensino, pelo seu trabalho de pesquisa e a criação de obras intelectuais e artísticas, contribui para a promoção do movimento olímpico. Personalidades notáveis como Henry Kissinger, o príncipe Rainier de Mónaco, Giovanni Agnelli, João Havelange e Juan Antonio Samaranch já receberam esta medalha, o que demonstra a sua importância e prestígio. Penso que deveria ser um motivo de orgulho nacional. No entanto, ao contrário do que eu esperava, não houve qualquer reconhecimento significativo por parte das autoridades portuguesas. Este reconhecimento simboliza uma conquista pessoal e um caminho de constantes desafios. Mais do que o prémio em si, o que mais importa para mim é o que ele representa. A resiliência, a perseverança e a capacidade de continuar, apesar das dificuldades. Em 2022, fui distinguido com o Troféu do Presidente do COI, uma distinção que apenas algumas pessoas em todo o mundo tiveram o privilégio de receber.

 

Quantos e que trabalhos fez para o COI?

Tenho 12 obras expostas no Comité Olímpico Internacional (COI). Na sede do COI estão expostas três obras realizadas por mim: Pierre de Coubertin gravado numa porta que representa ‘’a abertura dos Jogos Olímpicos Modernos’’ e duas portas com o presidente atual. Tenho algumas obras em cerâmica, algumas gravuras em vidro e em pedra e uma pintura com os nove presidentes do COI. Tenho 12 obras expostas no COI e quase nenhuma obra numa instituição pública portuguesa. Esta indiferença para com as minhas ‘’conquistas’’ faz-me questionar o verdadeiro valor que é dado ao mérito e ao esforço em Portugal. O reconhecimento internacional é gratificante, mas o reconhecimento no nosso país, no nosso concelho, na nossa casa, por parte de nossos compatriotas e autoridades, é igualmente, se não mais importante. É desmotivador perceber que, apesar de algumas conquistas, falta um reconhecimento adequado no meu próprio país. Espero sinceramente que, no futuro, haja uma maior valorização dos feitos dos portugueses que, com dedicação e esforço, elevam o nome do nosso país no cenário internacional.

 

Também fez gravuras dos campeões olímpicos portugueses. Como se proporcionou essa colaboração?

A colaboração com o Comité Olímpico de Portugal (COP) começou em 2018, na Suíça, onde conheci o Pedro Sequeira, diretor de marketing do COP. Eu também tinha feito uma porta dedicada ao Carlos Lopes, o primeiro atleta português a conquistar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Ofereci essa obra ao COP, como uma homenagem à histórica conquista do Carlos Lopes, o Pedro Sequeira achou interessante e sugeriu que seria uma boa ideia criar algo semelhante para todos os atletas portugueses que ganharam medalhas de ouro nas Olimpíadas. Ele acreditou que essas portas, além de homenagear os atletas, simbolizariam um reconhecimento das suas conquistas. Assim nasceu a colaboração para a criação de uma obra para cada campeão olímpico português.

Há muitas diferenças entre o artista que fez o primeiro mural no Tortosendo e o atual Telmo Guerra. O que mudou?

A mudança é constante e faz parte da vida. Esta evolução é natural e esperada. A cada dia que passa, aprendemos algo novo, seja através dos projetos que realizamos ou dos encontros que temos. Cada experiência adiciona uma nova camada à nossa identidade artística, moldando a nossa visão. A mudança não é radical, mas sim um processo gradual, reflexo do crescimento contínuo. No entanto, criar não é fácil. Apesar de ter realizado alguns projetos interessantes, é extremamente difícil abrir novas portas. Esse é um desafio comum no mundo da arte, onde a perseverança é essencial.

 

Como é possível descrever o artista Telmo Guerra?

Sou ‘’eu’’ e eu sou muitos. Essa multiplicidade é a essência do meu trabalho, refletindo a complexidade e a diversidade de experiências, emoções e pensamentos que me constituem. A minha principal forma de expressão artística é a gravura. Quando crio, sinto que estou a depositar uma parte de mim no mundo, algo que poderá sobreviver ao passar do tempo e servir como um testemunho da minha existência e das minhas ideias.

 

Nos 150 anos do Dia da Cidade fez para a Covilhã um painel de cerâmica de 6×3 metros que está na parede da Biblioteca Municipal. Porque não vemos mais trabalhos seus na região?

Embora essa obra represente para mim a Covilhã e uma parte da sua história, está localizada num lugar que não favorece a sua apreciação e muitos covilhanenses desconhecem que essa peça existe. Até hoje não houve uma inauguração oficial da obra, não sei qual o motivo. Por isso, o sucesso da obra não foi o que eu esperava. Desde então, não surgiram mais convites para trabalhos na região. Gostaria de criar mais obras na região, mas, infelizmente, as oportunidades têm sido escassas. Viver no estrangeiro talvez dificulte ainda mais o processo de ser lembrado e contactado para novos projetos na região. Espero que, com o tempo, surjam mais oportunidades para trabalhar na Covilhã, onde estão as minhas raízes e onde acredito que a minha arte pode ter um impacto positivo e significativo.

 

Na altura disse ao NC que gostava de deixar de ter tempo para ser educador social. Acha que há condições para que isso aconteça em breve?

Não. Infelizmente não. Dificilmente conseguimos avançar sozinhos e o meu caminho tem sido feito, sobretudo, sozinho. Sem um apoio constante dificilmente conseguimos avançar e o caminho é extremamente complicado. Tenho 12 obras expostas no COI e quase nenhuma obra numa instituição pública portuguesa.

 

Em que é que a Covilhã e Portugal se refletem nos seus trabalhos?

A herança cultural de Portugal oferece um vasto leque de referências e influências. As histórias de bravura e exploração são uma inspiração constante, lembrando-nos da importância da curiosidade e da busca incessante pelo conhecimento. A literatura, a música e a dança, a arquitetura e a arte, desde os azulejos que adornam as fachadas das casas até as majestosas construções manuelinas. Inspirar-me nas minhas origens e nos portugueses é mergulhar em histórias, conquistas, expressões artísticas e culturais.

 

Das pessoas que retratou, qual foi a que teve a reação mais surpreendente?

Foi o mestre José de Guimarães, o artista português que mais aprecio. Em 2021, entreguei-lhe duas portas no seu atelier em Lisboa, onde recebi a sua última coleção de serigrafias com uma dedicatória pessoal. Foi extremamente gratificante a sua reação e o seu acolhimento. Senti-me um artista nesse dia. Também o presidente do COI ficou extremamente emocionado. Gostaria de ter visto a reação do Papa Francisco quando recebeu uma obra minha entregue pela Federação de Desportos de Inverno, mas, infelizmente, não estive presente.

 

Passou a fazer sobretudo trabalhos em baixo-relevo. É essa a marca que quer ver-lhe associada ou é apenas mais uma técnica que utiliza?

A minha principal forma de expressão artística é a gravura. A cerâmica é um dos materiais que mais utilizo, devido à sua durabilidade e resistência. Ao gravar na cerâmica, procuro criar obras que desafiem o tempo, deixando uma marca duradoura e significativa. Além da cerâmica, a gravura pode ser realizada em praticamente qualquer suporte, o que permite uma diversidade incrível de expressões artísticas, utilizando a mesma técnica. Seja em metal, madeira, vidro, cada material oferece uma textura e um resultado único, possibilitando a criação de obras que variam enormemente em estilo e impacto visual. Essa versatilidade da gravura é uma das razões pelas quais ela continua a ser uma forma de arte tão vital e relevante. Procuro explorar e experimentar diferentes materiais.

 

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