Carlos Madaleno
Historiador
Manuel Lopes Henriques nasceu na Covilhã, na freguesia de São Pedro. Era filho de Pedro Henriques Ferreira, homem de negócio ligado à produção de tecidos, e de Catarina Rodrigues, ambos cristãos novos. Os irmãos, cinco rapazes e seis raparigas quase todos continuaram a atividade do pai. João era administrador da fábrica de panos finos da Covilhã, António era fabricante em Celorico da Beira e também nesta última vila, vivia Diogo que se tinha formado em Medicina e ali exercia. Manuel começara pela atividade de negociante de tecidos, na terra natal, mas a ambição levara-o a atravessar o Atlântico e a instalar-se na Baia que na época ainda conservava a designação de Baia de Todos os Santos. Aí, na freguesia de Martim, possuía, em 1705, um engenho onde trabalhavam os seus 125 escravos e produzia, por campanha, cerca de 800 arrobas de açúcar. Tinha ainda várias fazendas onde cultivava a cana de açúcar que viria a avaliar em vinte mil cruzados. Na cidade, onde vivia com sua esposa Mariana Soares, tinha comprado boas casas à Misericórdia, pelo valor de cinco mil cruzados e cem mil réis.
Manuel mantinha a fé em que havia sido educado. O batismo na igreja de São Pedro, ou o crisma com que o ungira o bispo D. Frei Álvaro de Boaventura não mais eram do que os habituais subterfúgios. Manuel, como tantos outros com que se habituou a privar na Covilhã, guardava os sábados, dia em que vestia camisa lavada; fazia o jejum do dia grande que vem aos 10 da lua de setembro e o da rainha Ester. Assinalava a Páscoa do pão ázimo, não comendo, todos os dias dela, pão fermentado, mas antes bolos ázimos. Para salvação da alma, não se alimentava ainda de carne de porco, lebre ou coelho, nem de peixe de pele. Por essa razão em 30 de setembro de 1705 recebeu, por parte do Santo Ofício, ordem de prisão e de sequestro de bens. Veio a ser preso, em dezembro do ano seguinte, contava então 40 anos. Enviado para o Estaus, em Lisboa, haveria de confessar as culpas e fazer a relação dos bens. Para além dos imóveis que Já referimos, indicou as 40 caixas de açúcar branco que enviara na frota de D. Rodrigo de Sande, as três barretas de ouro e as cinquenta moedas do mesmo metal no valor de 900.000 réis que seguiram, na nau Bom jesus, para Manuel Francisco Lino do Porto, e as procurações para serem cobrados 500.000 réis. Foram ainda contabilizados os brincos de diamantes e os cordões de ouro de sua mulher. A mobília do escritório, os 3 fardos de cera, os 9 barris de azeite, as 4 arrobas de farinha …. nada escaparia ao controlo da Santa Inquisição.
Passados três anos de interrogatórios e torturas foi sentenciado em auto-da-fé de 30/06/1709. Foi condenado a ir ao auto-da-fé com vela acesa na mão, abjuração de veemente, cárcere a arbítrio dos inquisidores, instrução na fé católica, penitências espirituais e pagamento de custas.