Um estudo em curso na Serra da Estrela detetou a presença de 1338 partículas de microplástico em lagoas, barragens e charcos perto da Torre, um valor “muito mais elevado” do que o previsto pelas investigadoras responsáveis e superiores à concentração encontrada em mar aberto na costa portuguesa.
Das oito massas de água analisadas, das quais foram retiradas amostras duas vezes em 2024, na primavera e no outono, para se fazer a comparação, “todas tinham microplásticos e esse número é mais expressivo nas lagoas perto da Torre, associado a uma maior pressão humana”, adianta, ao NC, Filipa Bessa.
A investigadora do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra é a orientadora de Sara Silva, que apresentou os resultados preliminares da sua dissertação de mestrado que avalia a poluição por microplásticos em massas de água de elevada altitude na Serra da Estrela, trabalho em que está também a ser acompanhado por Marta Correia, responsável pelo projeto de investigação EcoLab Estrela.
A maioria dos fragmentos detetados, de cores variadas de polietileno e polipropileno, coincidem com os materiais de que são feitos, por exemplo, trenós de plástico usados, embalagens e descartáveis, como sacos e garrafas de plástico, o que dá uma indicação sobre as principais fontes de poluição e a origem.
Os níveis de concentração “são preocupantes, na medida em que são partículas persistentes, não serão nunca eliminadas, poderão estar a interagir com espécies nas lagoas, sem qualquer medida que controle essas emissões”, alertou Filipa Bessa.
É nas áreas de maior concentração humana que o problema se agrava, uma vez que se confirmaram valores mais elevados de microplásticos nas bacias de água na zona da Torre e na Barragem do Vale do Rossim.
Segundo a investigadora, os níveis detetados, superiores aos encontrados na costa marítima, estão associados ao contexto, por serem sistemas mais fechados, que não drenam e os microplásticos ficam retidos nos sedimentos e solos.
O impacto no ecossistema não foi objeto de estudo, mas, por comparação, Filipa Bessa vinca que que “estas partículas em sistemas aquáticos podem ser ingeridas por vários animais, causando danos físicos e tóxicos, pois libertam aditivos químicos, que já sabemos serem nocivos para as espécies e para o ambiente”.
Este é o primeiro estudo científico com estas caraterísticas feito na Serra da Estrela. A intenção surgiu na sequência da observação de plásticos na montanha e do interesse em perceber se existia ou a não a presença de microplásticos nas águas em diferentes massas de água, para avaliar a sua concentração em duas alturas diferentes do ano.
Foram retiradas amostras de oito locais, dando prioridade aos que se encontram próximos da Torre.
A recolha foi feita na Barragem da Torre, Lagoa do Serrano, Barragem Covão da Quelhas, Charco da Clareza, Charco das Salgadeiras, Charco da Trocha, Barragem do Covão dos Conchos e Barragem Vale do Rossim.
A amostra consistiu em resíduos existentes na água, filtrada no local, e sedimentos sólidos retirados do fundo das lagoas, depois trabalhados em laboratório.
“As partículas existentes foram maioritariamente azuis e transparentes e apresentavam forma de fragmentos ou fibras”, adiantou a investigadora.
Dos tipos de plástico encontrado, três em cada quatro porções eram de polietileno e polipropileno.
Os resultados preliminares foram conhecidos no âmbito da exposição “Plasticus maritimus vs Plasticus serranitus”, da autoria da artista Ana Pêgo, patente no espaço Tentadora entre 9 e 30 de novembro.
O projeto foi dinamizado pela plataforma de intervenção artística Mistaker Maker, com sede na Covilhã, que promoveu um conjunto de iniciativas para alertar para o plástico espalhado na Serra da Estrela.
A partir da recolha de lixo na montanha, a bióloga e artista Ana Pêgo criou uma exposição. Realizaram-se também uma oficina para crianças, uma ação de capacitação para professores e educadores, visitas guiadas e sessões de cinema para crianças e jovens.
“Pretende-se que os visitantes tomem consciência do grave problema dos plásticos, do seu uso, desperdício e impacto nos ecossistemas, alertando para os seus perigos quando descartados e presentes no meio ambiente”, salientou a Mistaker Maker.
A organização alertou que, “percorrendo a Serra da Estrela pelos seus vales, encostas e lagoas, cedo se deteta a presença de uma espécie invasora que tem marcado a paisagem pelas piores razões: o plástico”.
Estava também prevista uma caminhada comunitária pelo planalto superior da montanha para recolher plástico espalhado pela serra, que teve de ser adiada, devido às condições meteorológicas adversas. A iniciativa está agora agendada para 13 de abril.
Os resultados do estudo vão ser publicados numa revista científica e só depois as autoras aprofundam o tema.