Uma investigação a ser desenvolvida nas Minas da Panasqueira por académicos permitiu concluir que é possível recuperar metais dos resíduos através de materiais biológicos, permitindo retirar dos desperdícios uma quantidade de metal relevante através de um bioprocesso com um impacto ambiental mais reduzido.
O grupo de investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) instalou nas Minas da Panasqueira, na freguesia de Aldeia de São Francisco de Assis, um sistema-piloto que consistiu numa planta experimental para biolixiviação de resíduos num tanque de um metro cúbico, com base em resultados obtidos em experiências laboratoriais, utilizando produtos do metabolismo bacteriano para a recuperação de metal.
A intenção é perceber, através de dados precisos, qual a técnica mais funcional para a recuperação de resíduos, desenvolver o novo processo de extração e, segundo a professora do Departamento de Ciências da Vida (DCV) e investigadora do Centro de Engenharia Mecânica Materiais e Processos da Universidade de Coimbra Paula Morais, o projeto encontra-se na fase final e os resultados são promissores.
“Neste primeiro piloto obtivemos cerca de 10 quilogramas de metal extraído por tonelada de resíduo tratado”, adianta a investigadora, segundo a qual a equipa ainda está a trabalhar no projeto do ponto de vista científico.
Segundo a coordenadora, que trabalha com uma equipa multidisciplinar e de vários países, uma das conclusões é que “esta compreensão do microbioma dos resíduos e das suas capacidades metabólicas pode fornecer indicações sobre os locais de deposição dos metais e maximizar o potencial dos resíduos como recursos secundários”.
Outro dado preliminar é que “é possível recuperar metais dos resíduos da mina da Panasqueira por processos biológicos”. A bioestimulação, ativação metabólica dos microorganismos presentes nos resíduos, foi uma estratégia de biolixiviação eficiente para a remoção de elementos que resultam num aumento dos níveis de metais críticos nos resíduos tratados, como o silício, alumínio, magnésio, selénio, manganês, zinco, ferro e o cobre.
Paula Morais acrescenta que outra das conclusões que já pode adiantar é que os detritos das Minas da Panasqueira “podem ser transformados em tecnossolo como estratégia ecológica através da sua mistura com biopolímeros, facilitando as reações químicas e criando redes para encapsular os contaminantes”.
Segundo a investigadora, tecnossolos são solos manipulados por mão humana contendo diferentes partículas naturais (areia, silte, argila) combinadas com outras partículas, incluindo modificadores do solo e resíduos. O estudo realizado demonstrou que “diferentes polímeros conferem diferentes propriedades aos tecnossolos”.
O sistema instalado na Barroca Grande, com o apoio do engenheiro civil António Correia, outro dos elementos da equipa, serviu para avaliar a remoção de metais dos resíduos descartados pela mina, através de lixiviações sucessivas (sistema em cascata), com o objetivo de esgotar os metais presentes nos resíduos.
A coordenadora explica que as Minas da Panasqueira foram escolhidas por ser a maior mina da região Centro e uma das maiores e mais antigas de tungsténio na Europa, que acumula resíduos da mineração dos últimos cem anos.
Fruto de um trabalho anterior, os investigadores da Universidade de Coimbra já tinam detetado alguns organismos resistentes a tungsténio, mineral em que os desperdícios e a mina são ricos.
“O nosso envolvimento com a mina começou com o estudo da diversidade biológica nos resíduos e, depois, pela relevância e dimensão dos resíduos existentes, na utilização destes como fontes secundárias de matérias-primas, utilizando processos biológicos”, pormenoriza Paula Morais, em declarações ao NC.
A investigadora salienta, contudo, que os processos a que recorreram precisam continuar a ser investigados para poderem ser otimizados e também adequados a cada tipo de resíduos.
A investigadora do Centro de Engenharia Mecânica Materiais e Processos justifica a necessidade de estudar estes processos com as grandes quantidades de metais descartadas em bacias de rejeitados, contendo muitas vezes concentrações acima do teor mínimo necessário para a exploração pelas empresas mineiras, um “recurso valioso” se olhadas numa perspetiva de economia circular, quando “são produzidos anualmente mais de 300 milhões de toneladas de resíduos em consequência da laboração em pedreiras e da exploração mineira”.
“A extração de metais a partir destes resíduos pode contribuir para suprir a procura de metais, mas também promove a reciclagem, minimizando os resíduos nocivos, a dissipação e os riscos”, sintetiza Paula Morais.
Tradicionalmente, as matérias-primas são obtidas através da extração e do processamento de depósitos de minério de alto teor por métodos de mineração convencionais. A lixiviação, um dos métodos mais comuns para recuperar metais, tem a vantagem do custo, “mas provocam a corrosão dos equipamentos e contaminação secundária”.
“A biolixiviação é considerada uma das tecnologias verdes para a recuperação de metais, oferecendo um baixo custo em termos de instalação e operação, baixo consumo de energia, nenhuma geração de resíduos tóxicos e baixo investimento de capital”, enumera a académica Paula Morais.
A investigadora realça que o mercado global de metais e dos seus produtos manufaturados “foi avaliada em 11,2 triliões de dólares em 2020 e deverá atingir os 18,5 triliões de dólares até 2030”, um crescimento significativo impulsionado pela procura em áreas como a saúde, a aviação, a energia, a eletricidade e a eletrónica.
Por outro lado, a fixação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável originou uma renovação da visão de como enfrentar os desafios da sustentabilidade e em encontrar compromissos que assentem em processos renováveis, “e baseadas, ou à imagem, de processos biológicos”.
Foi nesse contexto que foi criado o projeto Reviving em que a equipa da Universidade de Coimbra está a trabalhar, para contribuir para o desenvolvimento de tecnologias limpas e investigar “o desenvolvimento de soluções tecnologicamente avançadas na área das matérias-primas que tenham por base microrganismos”.
O trabalho em curso, integrado no projeto ERAMIN2, pretende contribuir para uma disponibilidade mais sustentável de matérias-primas.
“O seu principal objetivo é desenvolver modelos melhorados para a reciclagem eficiente de metais a partir de resíduos de minas, com base, pela primeira vez, na manipulação da microbiota autóctone dos resíduos, utilizando dados moleculares, de forma a promover a biolixiviação e hidrometalurgia inovadora utilizando pressão negativa”, sintetiza Paula Morais.