Acordei com a sensação de ter sonhado com um parlamento composto por robots. “Homens-boneco” como os que habitualmente vemos nas feiras, a imitar as figuras humanas, enlatados, fios enrolados e quase a entrar em curto-circuito. Vindos um pouco de vários lados, juntavam-se na Rua de São Bento e, provocando o pasmo geral dos humanos subiam a escadaria da Assembleia. Parece que estou a ouvir o seu estridente pisar nas lajes de pedra. Dirigidos e organizados, por lá ficavam o dia inteiro sentados no plenário. Estou em crer que emitiam desordenados e ruidosos sons, no sentido de provocar e animar a discussão. Às seis da tarde, soava uma campainha, não como as que estamos habituados a ouvir quando “toca para o recreio”, mas do tipo som de “gong”, emanado de uma campainha aberta em forma de prato, e os tecno-deputados enfileiravam pelos corredores do edifício em direcção à saída, desciam a longa sequência de degraus, passando por dezenas de almas penadas, de outra raça que ali esperavam por algo que os conformasse, e desapareciam pelas ruas limítrofes. Ao fechar do grande pórtico, num ecrã de “leds” instalado a toda a largura da fachada da que outrora foi a Casa da Democracia, eram publicadas as novas deliberações. A composição deste plenário resultou de umas eleições legislativas em que pela primeira vez foram permitidas candidaturas de seres não-humanos. Que resultaram da cedência definitiva à presença da inteligência artificial no nosso quotidiano.
O mundo pulou e avançou de tal maneira, que nós, os do pensamento, decidimos autorizar a presença destes indivíduos à nossa mesa. Às habituais listas de candidatos de partidos políticos normais, apresentaram-se, e diga-se que em todos os círculos eleitorais, uns… há quem lhes chame rebanhos… de robots. Nem sei bem como tratar estes conjuntos de dispositivos autómatos, e não, não estou a referir-me a “cobots”, aqueles que colaboram, e executam o que lhes pedimos. Nada disso. Esses são apenas braços armados que estão sempre a fazer a mesma coisa. Há muito que passamos essa fase. Hoje somos nós os colaborativos. Os que estamos sempre com as mesmas posturas, geralmente pouco aconselháveis. Decerto estão agora a perguntar, como é que estes novos seres ocupam todas as bancadas parlamentares. Pois é, confiando os humanos decisores que esta benesse dada à nova forma de seres, provaria que continuamos a acreditar em nós próprios, eis senão quando, o mundo virou ao contrário, os eleitores passaram-nos um atestado de incompetência, deixaram-nos a falar sozinhos, e puseram o país nas mãos destas figuras, que após um processo de devastação intelectual, provocaram uma razia completa. A última lei promulgou a instalação em cada distrito do território de um polo de criação para novos robots. Há todo um processo de adaptação e nas universidades, algumas ainda dirigidas por humanos, criam-se novos cursos como o de projectista mecânico para robots. E assim vai o mundo. O real e o dos pesadelos.