A trabalhar há 14 anos na fábrica Paulo de Oliveira, na Boidobra, Telmo Ribeiro, 36 anos, recebia 2,5 euros de subsídio de alimentação. Os trabalhadores reivindicavam um aumento de seis euros. Passaram a receber mais 15 cêntimos este ano. “É muito insultuoso. Onde é que se come por 2,65 euros? É desrespeitoso e uma falta de consideração pelos trabalhadores, que se esforçam, ajudam a criar riqueza e têm um aumento de 15 cêntimos no subsídio e dois ou três euros no salário”, censura.
Na última quinta-feira, 17, Telmo foi uma das poucas dezenas de trabalhadores que se concentraram em frente à fábrica, em protesto por a reivindicação de aumentos no salário e no subsídio de alimentação não ter sido aceite pelas entidades patronais do setor. Os que estão e sindicalistas falam numa cultura de medo na empresa. “Vigiam, constrangem, intimidam, há pressão das chefias”, denunciou Alice Martins, para quem não receber um ordenado que a valorize “não é por falta de dinheiro, é falta de vontade de respeitar o trabalhar”.
Telmo Ribeiro compreende o receio, que imobiliza muitos, de perder o posto de trabalho, devido a eventuais “represálias”, mas considera que tem de haver união “para se mudar esta mentalidade retrógrada” e, “se não se fizer nada, nada vai mudar para os trabalhadores”.
A presidente do Sindicato Têxtil da Beira Interior (STBI) lamentou que as negociações entre a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal (FESETE) e a Associação Nacional dos Industriais de Lanifícios (ANIL) tenham sido interrompidas sem se chegar a qualquer acordo.
“Não houve negociações connosco. Eles apresentaram uma proposta, nós fizemos uma contraproposta e eles nem sequer quiseram discutir essa contraproposta e encerraram as negociações”, lamentou Marisa Tavares.
Marisa Tavares explicou que, numa fase inicial, foram propostos um aumento salarial de 150 euros para todos os trabalhadores e um aumento para seis euros do subsídio de alimentação. A dirigente acrescentou que, depois de se ter discutido com os trabalhadores sobre o impasse, foi feita uma nova proposta, “em que foram reduzidos substancialmente os valores, quer na tabela, quer no subsídio de alimentação”.
A sindicalista disse que lhes foi sugerido que o subsídio de alimentação fosse negociado para os próximos três anos e que a proposta apresentada previa um aumento para os 3,5 euros este ano, para os quatro euros em 2026, cinco euros em 2027 e seis euros no ano seguinte. “Era uma forma de nós, pouco a pouco, chegarmos ao valor. Eles nem sequer mostraram abertura para discutir isso. Disseram que não negociavam”, criticou Marisa Tavares.
A FESETE invocou a “robustez” do Grupo Paulo de Oliveira, com três fábricas e mais de mil trabalhadores na Covilhã, frisou que este “controla parte importante do emprego e da economia na região” e acentuou as “margens elevadas de lucros nos seus negócios, na ordem dos 12 milhões de euros em 2023”, enquanto os empregados recebem 870 euros, “muito próximo do Salário Mínimo Nacional”.
Isabel Tavares, da FESETE, disse que a empresa tem de valorizar quem lhe cria a riqueza, advogou uma melhor distribuição dos lucros e acentuou que, mesmo pagando salários mais dignos, “ainda sobram muitos milhões para os Porches”, numa altura em que as exportações do setor estão a crescer, referiu.
Marisa Tavares considerou que o Grupo Paulo de Oliveira está a “dar um mau exemplo” e não pode depois “dizer que tem dificuldade em arranjar mão de obra”. “Não podemos ser os trabalhadores do Salário Mínimo Nacional”, defendeu.
“Falam dos resultados das empresas, mas esquecem-se dos investimentos brutais que têm feito, porque se não os fizessem tinham de fechar”, respondeu o presidente da ANIL, José Robalo.
Questionado sobre o valor do subsídio de alimentação, salientou que “não é uma questão de ser mais ou menos razoável, é o que está negociado”. José Robalo aludiu à “conjuntura internacional” para afirmar que “é necessário ter muita cautela e bom senso nestas coisas”. “Como é que estaremos daqui a um ano? Não estaremos numa guerra? Como é que podemos estar a negociar coisas a dois e a três anos?”, argumentou.
O presidente da ANIL mencionou que as negociações com a FESETE, afeta à CGTP, não foram avante porque “as empresas não podiam, de maneira nenhuma, aceitar” as condições, mas acrescentou que foi assinado um acordo com outra central sindical.
“Não é aceitável a UGT [através do Sintev] assinar um contrato para trabalhadores que não representa, e nem sequer é discutido com os trabalhadores aquilo que eles assinaram”, acrescentou. O presidente da União de Sindicatos, Sérgio Santos, acusou a UGT de “fazer fretes”.
Marisa Tavares informou que os trabalhadores estão disponíveis para o diálogo e para “continuarem a lutar”. Contactado, o Grupo Paulo de Oliveira não se pronunciou.