“Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza…
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro“.
Mário de Sá Carneiro
O governo, o partido que o suporta, e o ministro Amaro, mostraram de que são feitos, ao justificarem de forma bem esfarrapada diga-se, a não participação em qualquer iniciativa que se parecesse com festejar Abril. Cheirou um poucochinho a “finalmente temos um motivo para não virmos para a rua cantar a liberdade”, mesmo sabendo que é graças a ela que nos regimes democráticos os políticos são eleitos e, que mesmo que o façam mal, é essa liberdade que lhes permite o exercício do poder. Lá está, Poder e Liberdade, duas parangonas – chamemos-lhe assim- com que se titula vinte e cinco de abril, e que lhes permite pensar em suspender a democracia. Como se isso fosse possível. Agora sou eu que escrevo, “O luto é a arma da liberdade”. É precisamente respeitando a morte do Papa, que devemos comemorar a sua vida, a sua força, e o seu amor por nós, por todos nós. Independentemente da crença, da fé.
Estava eu nestes preparos quando assisti à mesma linha de pensamento, na forma como o Presidente da República prestou tributo a Francisco, e do mesmo modo sublinhou como a implementação da democracia em Portugal, é algo que não podemos ignorar. Por duas vezes, primeiro como convidado de um jantar na Associação 25 de Abril, em que assertivo como nunca exultou a jornada revolucionária como celebração única nas nossas vidas, e na sessão solene do parlamento, em que com mais uma brilhante peça de oratória, achou transversalidade nos anseios do cidadão nado em Buenos Aires, e nos que motivaram o golpe militar que em Portugal derrubou a ditadura. Anseios de mudança. Tal como nós ousamos pedi-la, também ele, o chefe da igreja católica, o fez vezes sem conta. Na verdade, a Igreja de Roma não terá mudado assim tanto como o desejado, e quanto a nós, estamos conversados. Na defesa dos pobres e oprimidos, no respeito pelas minorias, na luta contra as desigualdades, na condenação de injustas guerras, Francisco, como Marcelo referiu, conheceu e percorreu as ruas da humanidade, e esse caminho, e a forma humilde como o tomou, faz dele um dos nossos. Olhando para a vida de Francisco, estou tão convicto de que no momento da sua morte, ele gostaria que nós exultássemos alegria e felicidade. Como no Fim de Mário de Sá Carneiro, mas simultaneamente meio para que ambicionemos a cada gesto nosso, aliviar o sofrimento de cada um de nós. Esse é também um bom princípio para garantir Abril.