Abril e a saúde materno-infantil: um legado a cuidar

Paulo Tourais
Enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstétrica

O 25 de Abril de 1974 trouxe consigo uma lufada de ar fresco e a promessa de um futuro mais justo e igualitário para Portugal. Entre as muitas conquistas que se seguiram, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) destaca-se como um pilar fundamental, garantindo o acesso à saúde a todos os cidadãos. Hoje, debruçamo-nos sobre um dos seus impactos mais significativos: a notável redução da mortalidade materna e neonatal.

Os números falam por si. Em 1975, um ano após a revolução, perdiam-se 42,9 vidas maternas por cada 100.000 nados-vivos. Em 2021, essa taxa desceu para 9 óbitos por 100.000 nados-vivos, um progresso inegável. No entanto, os dados mais recentes revelam uma tendência preocupante: em 2020 houve um ligeiro aumento, que parece ter-se intensificado em 2022, com 13,1 óbitos por 100.000 nados-vivos.

A mesma trajetória de sucesso, com um revés recente, observa-se na mortalidade infantil. Em 1974, a perda de crianças era dramática: 38 por cada 1000 nascimentos. Em 2022, Portugal orgulhava-se de uma taxa de apenas 2,6 por 1000 nados-vivos, colocando o país entre os melhores da Europa. Contudo, também aqui se regista um ligeiro aumento, possivelmente pelas mesmas razões que afetam a mortalidade materna.

As causas para esta inversão de tendência são complexas. A dificuldade no acesso aos cuidados de saúde, agravada pela falta de médicos de família e obstetras, dificulta o acompanhamento adequado das gravidezes. Adicionalmente, o crescente “turismo de saúde”, com grávidas estrangeiras sem seguimento obstétrico prévio a escolherem Portugal para dar à luz, pode também contribuir para estes números menos animadores.

Passados 51 anos desde a Revolução dos Cravos, é crucial encontrar novas formas e ter a coragem política de reforçar os alicerces da saúde materna e fetal. Uma abordagem inovadora passa por reconhecer e integrar plenamente os Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica como atores centrais neste processo.

Esta nova visão traria consigo inúmeras vantagens:

Maior Acessibilidade: Ao permitir que enfermeiros obstetras acompanhem gravidezes de baixo risco, alivia-se a pressão sobre os obstetras, democratizando o acesso aos cuidados pré-natais, especialmente em zonas mais remotas. As grávidas poderiam beneficiar de consultas mais frequentes e perto de casa.

Promoção da Saúde e Prevenção: A forte componente educativa dos enfermeiros obstetras permitiria um acompanhamento mais dedicado à nutrição, exercício, sinais de alerta e preparação para o parto e pós-parto, fomentando estilos de vida saudáveis e a deteção precoce de problemas.

Continuidade de Cuidados: O acompanhamento consistente por um enfermeiro obstetra ao longo da gravidez fortalece a relação de confiança e a comunicação, permitindo um conhecimento aprofundado das necessidades individuais de cada grávida e um plano de cuidados mais personalizado.

Empoderamento da Grávida: Sentir-se ouvida e compreendida por um profissional de saúde dedicado aumenta a confiança da grávida e a sua participação ativa nas decisões sobre a sua saúde e a do seu bebé, tornando a experiência da gravidez mais positiva.

Deteção Precoce de Complicações: Apesar de focados em gravidezes de baixo risco, os enfermeiros obstetras estão capacitados para identificar sinais de alerta e encaminhar as grávidas para os obstetras quando necessário, garantindo uma intervenção rápida e eficaz.

Otimização de Recursos: Delegar o acompanhamento de gravidezes de baixo risco a enfermeiros obstetras permite que os médicos obstetras se concentrem nos casos mais complexos, otimizando os recursos do SNS e assegurando que as grávidas com maiores necessidades recebam cuidados especializados.

Alinhamento com as Melhores Práticas Internacionais: A Organização Mundial da Saúde e outras entidades internacionais preconizam um papel mais ativo dos enfermeiros obstetras no acompanhamento da gravidez de baixo risco. Adotar esta prática colocaria Portugal em linha com as melhores evidências científicas e recomendações globais.

Implementar esta mudança exige uma revisão das políticas de saúde, investimento na formação especializada de enfermeiros e uma colaboração estreita e bem definida entre enfermeiros obstetras e médicos obstetras. No entanto, os benefícios potenciais para a saúde das mães e dos bebés são inegáveis e merecem uma análise séria e aprofundada.

Está na hora de agir. Está na hora de pensar no futuro da saúde materno-infantil em Portugal.

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