Apesar do aparato, de muito movimento, dos rotativos dos 75 veículos mobilizados para o local e do susto para os ocupantes, o ambiente em Alpedrinha, na noite de quarta-feira, 18, era, sobretudo, de alívio, depois de um camião de transporte de frutas ter colidido, cerca das 20:00, com o comboio intercidades que seguia da Guarda até Lisboa e se terem receado consequências mais desastrosas.
A composição, com cinco carruagens, embateu na passagem de nível num camião da empresa Beira Baga, de onde o condutor conseguiu fugir a tempo. O primeiro embate entre a locomotiva e a primeira carruagem, onde ficou cravado o para-choques do pesado, junto à janela. De seguida o camião incendiou-se e as chamas propagaram-se à terceira e quarta carruagens, que arderam, já depois dos 118 ocupantes terem saído pelo seu pé do interior e se terem afastado do local do sinistro.
Quatro feridos ligeiros foram transportados para o hospital da Covilhã e seis foram assistidos no local, onde estiveram 212 operacionais, entre meios de socorro e de segurança. Segundo o comandante dos Bombeiros do Fundão, José Sousa, os primeiros carros chegaram cerca de 17 minutos após a colisão e preocuparam-se em controlar o incêndio no camião, que ficou dominado numa hora. A maior dificuldade, explicou, foi combater as chamas no comboio, uma vez que seria necessário esperar que fosse descarregada a catenária, sistema de alimentação elétrica da linha.
José Sousa assumiu terem sido corridos alguns riscos no socorro, por só às 21:50 terem tido as condições para intervir, quando foram informados que a catenária já estava sem carga. O receio era que alguém estivesse preso dentro do comboio.
“Partimos algumas janelas e, através do exterior, foi possível dominar o incêndio, mesmo contra essas condições de segurança, que não existiam”, descreveu o comandante, segundo o qual a composição ainda se deslocou cerca de cem metros após o embate.
O presidente da Câmara do Fundão, Paulo Fernandes, que reuniu meios da autarquia para ajudar a identificar os passageiros e autocarros do município para quem quisesse regressar ao local de origem, sublinhou que “evitou-se uma tragédia maior”.
“A questão central foi não ter havido o descarrilamento do comboio”, disse, junto às filas de passageiros ordenados para entrar nos autocarros que os levariam à estação da Lardosa, onde outro comboio os conduziria ao destino. “Se tivesse ficado alguém preso nas carruagens, estaríamos, seguramente, a lamentar outro nível de gravidade”, acrescentou Paulo Fernandes.
Grande parte dos ocupantes eram estudantes da Universidade da Beira Interior, que regressavam a casa na véspera do feriado. Rodrigo Bento, de 21 anos, do Entroncamento, viveu a viagem mais atribulada em quatro anos.
O aluno de Ciências do Desporto contou ao NC que sentiu o comboio a tremer, travou e ouviu outras pessoas a gritar que havia fogo. “A nossa primeira reação foi ir para ao pé da porta e tentar sair. Inicialmente as portas estavam trancadas, mas felizmente conseguimos que toda a gente saísse do comboio e correu tudo bem”.
Débora, de 20 anos, foi surpreendida pela travagem brusca e viram pouco depois, pela janela, o autocarro em chamas. “Só tivemos tempo de pegar nas coisas e sair. Estava muito assustada, mas tentei manter-me calma e não pensar no pior”, contou.
José Marques, 60 anos, estava a ingerir uma bebida quando sentiu “o safanão” e viu fumo numa carruagem distante. A calma transmitida pela funcionária do bar, que encaminhou as pessoas para a saída, foi fundamental, considerou o passageiro.
A mala de Teresa Mira, 65 anos, que tinha entrado na estação do Fundão, deve ter ardido, presumiu, uma vez que a carruagem em que seguia foi a primeira em chamas. Depois do estrondo, do fumo e do calor intenso, um jovem que seguia ao seu lado alertou para a necessidade de saírem com rapidez e foi o que fez.
A Infraestruturas de Portugal (IP) disse que os equipamentos e sinalização na passagem de nível automática estavam ativados no momento do acidente, “com as meias barreiras em baixo”.
Pessoas que passam habitualmente naquela passagem de nível – uma zona estreita, à saída de uma curva – alertaram para a dificuldade de alguns pesados em fazer algumas manobras e para a necessidade de outra solução para dar condições de segurança.
A Linha da Beira Baixa reabriu na madrugada de sexta-feira no troço entre Vale de Prazeres e Castelo Novo.
A Proteção Civil apontou na noite do acidente para 125 pessoas no interior da composição, mas a CP atualizou um dia depois esse número, para 118.