Cada pessoa, um mundo

No seu mais recente livro, Os cosmólogos não vão para o céu, Manuel da Silva Ramos escreve, no seu estilo muito próprio – corrosivo, acutilante -, sobre a presença dos migrantes numa terra despovoada, envelhecida, abandonada pelo poder central, mas, que, ainda assim, fervilha de ideias e vontades.

São pessoas/personagens que vêm de longe por motivos muito diferentes, alguns fogem da guerra, outros da pobreza e outros de si próprios. Vêm desempenhar tarefas também muito distintas, de acordo com os seus conhecimentos e áreas do saber – cineastas, agricultores, vinhateiros, são alguns exemplos -, procurando refazer as suas vidas, num território que os acolhe e que tem desempenhado, verdadeiramente, um papel relevante na integração de comunidades estrangeiras, como tem sido o Fundão.

Ao mesmo tempo, forças sinistras, lideradas pelo Tomé Furão, resistem ferozmente à vinda destas pessoas e engendram planos para impedir o seu sucesso, desembocando em violência trágica. Enquanto isso, no parlamento, lugar de estranhas animalidades, vai-se decidindo coisa nenhuma, com a conivência de alguns e a incompetência de outros.

A leitura deste livro convoca-nos a várias reflexões, uma delas prende-se com algumas declarações recentes dos líderes das confederações do comércio, da agricultura e da indústria. Defensores da vinda de imigrantes, veem neles a mão-de-obra tão necessária ao funcionamento dos respetivos setores. Esta visão tão centrada no lucro, que despreza as potencialidades do indivíduo, enquanto ator de mudança na comunidade, faz-me pensar que, por alguma razão, durante décadas, foi tão difícil à maioria dos emigrantes portugueses participarem nos circuitos de decisão dos países para onde se deslocaram, darem-se a conhecer por outras razões que não as meramente utilitárias, e de como isso é injusto para as reais possibilidades que cada pessoa pode conter em si.

Recentemente, no documentário “Brumas da Memória”, na RTP 1, os nomes de muitos homens e mulheres surgiram como membros da Resistência Francesa, durante a II Guerra Mundial. Eram pessoas humildes – padeiros, pedreiros, donas de casa -, imigrantes portugueses em França, que não se limitaram aos seus ofícios, em vez disso, empenharam-se na defesa do país que os acolheu, contra o totalitarismo do III Reich, e pagaram caro por essa ousadia, já que muitos morreram em campos de extermínio nazis. Foram mais de 500, os que se juntaram às fileiras da Resistência, e França já os reconheceu como heróis nacionais, condecorando-os, tornando-os parte da sua História.

A presença de imigrantes no nosso território representa uma oportunidade de rejuvenescimento e de renovação, de partilha de experiências e de conhecimento, de mão-de-obra vital. Acolher tem de incluir a possibilidade de aproveitar todas as potencialidades – laborais, culturais, artísticas – que cada pessoa tem para oferecer ao lugar ao qual passa a pertencer, quando decide ficar, tal como aconteceu com Alejandro ou com Yahya, e tirar do caminho os Furões que por aí vão proliferando.

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