A Inteligência Artificial (IA) deixou de ser um conceito abstrato para se tornar uma força transformadora no nosso dia a dia. Do planeamento urbano à forma como interagimos com os media, a IA molda a nossa comunicação, o trabalho e até a participação democrática.
Na política, o uso da IA não é novo. A campanha de Barack Obama em 2012 é frequentemente apontada como a primeira a integrar cientistas de dados de forma estratégica. Muitos consideram que essa abordagem foi decisiva para o seu sucesso eleitoral. Desde então, a tecnologia tem assumido um papel crescente nas campanhas e decisões políticas, nem sempre pelas melhores razões. A propagação de narrativas manipuladoras e o agravamento da desinformação levantam sérias preocupações sobre o impacto da IA na qualidade da democracia.
Num momento em que se assinalam 50 anos das primeiras eleições autárquicas em Portugal, importa reconhecer que, apesar dos avanços na digitalização dos serviços públicos, o acesso à informação, sobretudo de caracter local, permanece pouco acessível ao cidadão. Reuniões públicas transcritas em PDFs extensos, documentos pouco navegáveis ou a ausência de sistemas de pesquisa eficazes dificultam o escrutínio e a participação cívica. Compreender, por exemplo, o que foi decidido numa reunião de câmara ou acompanhar a atividade de um executivo municipal exige tempo, paciência e, não raras vezes, literacia jurídica ou técnica.
A evolução dos modelos de IA nos últimos anos, sobretudo desde o lançamento do ChatGPT em 2022, reforça o potencial destas tecnologias no acesso à informação. Na Universidade da Beira Interior (UBI), um projeto de investigação em curso (Citilink, https://citilink.inesctec.pt/), desenvolvido em colaboração com a Universidade do Porto e o INESC TEC, e que integra parceiros como as Câmaras Municipais da Covilhã e do Fundão – entre outras, como Guimarães, Campo Maior, Alandroal e Porto – está a explorar precisamente o potencial da IA para reduzir barreiras no acesso à informação e aproximar os cidadãos do poder local.
Não se trata de substituir pessoas por máquinas, mas de recorrer à IA, nomeadamente ao processamento de linguagem natural, para organizar, resumir e tornar mais acessível a informação já existente, facilitando o acesso dos cidadãos às decisões autárquicas. O que está em causa não se limita à modernização administrativa, mas à capacidade de transformar o conhecimento gerado nas universidades e centros de investigação em soluções concretas para a vida pública, promovendo maior transparência, melhor acesso à informação e um envolvimento cívico mais informado.
Democratizar o acesso aos dados é, neste contexto, um passo fundamental para uma democracia mais participativa, garantindo que as decisões públicas não fiquem apenas disponíveis, mas verdadeiramente acessíveis, compreensíveis e sujeitas a escrutínio. É precisamente para isso que a tecnologia deve servir, para estar ao lado dos cidadãos. A partir dos territórios e com os territórios.