Malhas que o Football também tece

José Fragoso Henriques

O equilíbrio é coisa rara na vida de um homem, e creio, que na vida de um grupo. Tendo a encontrar no futebol uma carta, um mapa da vida. Seguramente, não passa de uma crendice. A minha crendice. Tempos houve, e não recuando muito, décadas de sessenta, setenta, e até oitenta, que uma equipa, uma equipa de um clube, por muito profissionalizado, seria à luz dos nossos tempos, amador. Mas eram dias, domingos de magia, em que a camisola, a malha que cada jogador envergava, representava uma região, uma cidade, talvez um lado da cidade e nessa malha, jersey, como se dizia em Inglaterra, terra fundadora e mítica do football, uma vontade comunitária, o futebol association. Cada jogador com o número cosido na camisola, o dois ou o onze, e cada número era mágico, valia por centenas, o mesmo quer dizer milhares de pessoas agregadas a um emblema, a um sentimento, a uma alma. Para os mais novos, isto não passa de romantismo, saudosismo. Talvez. Nessas décadas, onde nasciam jogadores mágicos, por vezes apenas resultado dos relatos radiofónicos e das crónicas desportivas dos jornais. Os miúdos, eu fui um deles, sonhávamos tardes dominicais de glória. A partida de futebol, quase sempre ao domingo a tarde, era uma liturgia mais relevante, mais sagrada que qualquer missa, no campo ou na província. Era assim na Old Albion, era assim em Portugal, a partir do mágico rádio de pilhas. Nesses tempos de grandes equipas e grandes jogadores, que por vezes trabalhavam nos seus ofícios durante a semana, as camisolas não eram personalizadas, mas exalavam, a que distância, suor e inspiração. Nos tempos em que o número onze era um repentista, um endiabrado canhoto que “partia os rins” com a imprevisibilidade do drible. Jogasse quem jogasse, o número onze seria sempre um executante que transmitia magia, transgressão, um grito libertador. Daquelas pernas, por vezes canejas, sinal de alimentação deficiente na infância, saíam cruzamentos que antes do tempo esperavam uma cabeçada de um antepassado de Jardel.

Nos muitos extremos esquerdos ou pontas esquerdas que a televisão, nos anos setenta e oitenta, me permitiu imortalizar, destaco um holandês. Agora neerlandês, não era assim na altura, de seu nome Rensenbrink. Não nasceu em Amesterdão, não jogou no Ajax, e travou com o divino Cruijff, um desafio entre o humano e o divino. No entanto, Rob Rensenbrink em 1978, no Mundial da Argentina, amordaçada por Videla e companhia, assustou, gelou os temíveis generais quando quase fazia o golo da vitória da Holanda na final contra a Argentina, com Kempes, Ardilles, Bertoni. Nunca uma bola no poste foi tão ingrata. A Holanda, nada mecânica, mas muito laranja e humana, quase que derrubava aquele regime opressivo. Para sempre mantive a dúvida sobre qual mais “desgastou” o regime dos generais argentinos, se Cruijff ou o meu ponta esquerda, Rensenbrink.    Anos depois, poucos, mas demasiados, seria a Inglaterra de Tatcher a “fechar” a ditadura dos generais. Malhas que o futebol, também tece.

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