“Este País não é para mães”

Maria Luísa Romana*

Entendo que não pode haver luta feminista sem uma clara luta, quer contra o patriarcado, quer contra o capitalismo, o que implica, desde logo, uma reorganização do modelo social, em que a mulher não seja relegada para segundo plano. Citando A Garota Não, “Este país não é para mães”! E não será, enquanto quem nos governa diz querer aumentar a natalidade e por outro lado apresenta propostas de alteração à lei laboral, única e exclusivamente a pensar na competitividade e na sustentabilidade da economia. Aqui estamos nós mulheres, novamente encostadas a um canto, quando temos a capacidade única de gerar vida – se ao menos isso fosse tão importante como gerar lucro!

Ultimamente temos assistido à triste realidade de ser mulher e mãe em Portugal. Exige-se que sejamos mães, porque é uma condição que nos é biologicamente inata, dizem eles, e ao mesmo tempo que sejamos produtivas! Tende filhos como se não trabalhásseis, mas trabalhai como se não tivésseis filhos! Dizem as que nos governam, reparem, mulheres (!!!), que “nenhuma mulher normal amamenta depois dos dois anos”, ou que “as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar um horário reduzido”. Se a amamentação é um subterfúgio para se trabalhar menos duas horas por dia, com igual remuneração, será que uma mulher engravida, para gozar de licença parental, receber o respetivo subsídio e para ter atendimento prioritário em filas? As afirmações da Sra. Ministra, e outras afirmações que às suas lhe sucederam, são perniciosas!

Mother holding newborn baby feet

A propósito, acabem também com as faltas por dores incapacitantes provocadas por endometriose ou por adenomiose, porque é “natural” a automedicação com anti-inflamatórios ou com a pílula; porque é “natural” a mulher sangrar todos os meses de quase toda a sua vida, e continuar a ir trabalhar apesar das dores e desconforto; já agora, acabe-se, também, com as faltas por luto gestacional! Toda a gente sabe que “menos de três meses é atraso, mais de três meses é gravidez”, e que até lá, a mulher deve ficar caladinha para o caso de sofrer um aborto. Invisibilize-se, assim, o luto e dor da mulher e, já agora, se o pai quiser faltar para a acompanhar, pois que falte, mas com perda de remuneração!

O parto deixou de ser feito em casa com parteiras para ocorrer em hospitais com médicos. No entanto, desde que entra grávida no hospital, a mulher passa a ser apenas mãe. Quando conhece melhor que ninguém o seu corpo, o seu saber é deslegitimado pelo do profissional de saúde. Quando apenas deseja um parto humanizado, põe-se em causa uma lei que define violência obstétrica. Ainda assim, confia, mas as urgências de ginecologia e obstetrícia estão encerradas por falta de médicos! As mulheres em Portugal que decidem parir em ambiente, das duas uma, ou parem num hospital e “o que tiver de ser será”, tipicamente português, ou parem na rua ou em ambulâncias, tipicamente português, também.

Ser mãe em Portugal é aceitar uma licença parental curta e insuficiente; sentir-se grata pelo facto de existirem creches gratuitas, sabendo de antemão que será difícil encontrar uma vaga. Aceitar que, se não houver vaga poderá ficar desempregada.

Talvez se Portugal fosse Mátria, ser mãe não seria condição biológica imposta, mas escolha respeitada; o nosso corpo seria considerado além da produtividade económica e não seríamos forçadas a escolher entre maternidade e carreira. O parto não seria evento traumático e a violência obstétrica não existiria. O nosso conhecimento sobre os nossos corpos seria legitimado e não seriam postas em causa as nossas decisões, como as de amamentar onde e até quando.

*jurista, residente em Penamacor

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