A minha tia-avó Maria do Livramento, era porteira em Lisboa. Na Avenida da Liberdade, onde eu, infantil, aprendi que esta era a minha cidade. Quando a visitava, lá estava ela dando brilho aos dourados da enorme e pesada porta do 229. E como se orgulhava da forma como lustrava os bronzes daquela preciosa entrada. Sempre que por lá passo, de quando em vez, vem-me à memória a forma como a tia “Livramenta”, como os sobrinhos a tratavam, não só dava brilho aos “ouros” do pórtico, como nos abrilhantava os dias. Era, a par de sua mãe, minha bisavó materna, uma das mais afectuosas pessoas que conheci em toda a minha vida. A maneira dedicada como se entregava às ferragens de sua porta, era a mesma com que nos mimava a todo o momento. Genuinamente, sem cobranças. Amava os seus, e adorava poder dar-lhes de si. Hoje nós somos como aqueles puxadores, dobradiças e outros acabamentos dourados da porta de minha tia. Adoramos que nos “brilhem”, que nos puxem o lustro, que nos dourem. Mesmo que, ao contrário da Maria do Livramento, venham de gente que nos acrescenta pouco, que nos indromina com conversas redondas, especialistas em puxar o saco. Oh… como fomos bajulados nas últimas semanas, a troco de um voto.

Bom… mas o que quero mesmo, a propósito de Lisboa, é falar-vos das minhas três cidades onde “votei” nas eleições da semana passada. E podemos começar por aqui, a cidade onde trabalho, e que naquele domingo 12 de Outubro, entendeu dar-se ao certo. Fazendeiro é um “filho” da terra, nado e criado, terá pensado em ser futebolista quando ainda como júnior vestiu as cores do “Estação”, tornou-se engenheiro, habituou-se à proximidade do poder, e como socialista tanto abrilhantou Pedro Nuno, como quando foi preciso “lustrou” José Luís. Faz parte destes processos de alindar a coisa. A malta não foi em mudanças porque as opções ofereciam mãos cheias de pouco, e do que a Covilhã precisa, é de um ponto de partida. Agora é preciso motorizar, criar impulsos, e grandes ideias. Lá está… ideias foi coisa que pareceu faltar aos grandes apostadores em destronar, e já estou a sul na cidade onde resido, o enquistado poder comunista no Seixal. Os milhares de habitantes da cidade vivem numa bolsa, encapsulados na sua inércia, e não fomos capazes de provocar o efeito de mudança. O PCP nem precisa de “brilhar”, limita-se a estar, gerindo a coisa pública a seu bel-prazer, e na verdade os seus adversários políticos não apresentaram um golpe de asa. Não houve uma pequena centelha que iluminasse a oposição, e no final das contas foi tudo muito feio. De facto, o Seixal precisa de mudar, e muito. Atravesso a ponte, e lá estou de novo em Lisboa. Se há cidades que precisam de uma grande limpeza, a capital de Portugal, é sem dúvida uma delas. É incrível como perdeu identidade, critério, coerência… e lisboetas. Lisboa, vende-se desalmadamente a um desenfreado turismo, cada vez mais uma cidade suja, degradada, descaracterizada, a perder beleza. Precisava de uma ideia grande de cidade grande. De um grande autarca, que não tem. Falta brilho às nossas cidades, e falta quem lhes dê brilho. Como a minha tia.

