“Ponham travão” às novas centrais solares

Movimentos cívicos têm-se manifestado à porta das câmaras, nos dias de tomada de posse dos novos executivos, contra a localização de projetos previstos na região

“Nós somos a favor das energias renováveis, mas não à custa da biodiversidade. Serem construídos em parques naturais, em reservas. Não faz qualquer sentido.” É esta a opinião de Samuel Infante, membro da Plataforma de Defesa do Parque Natural do Tejo Internacional (PNTI), que na manhã chuvosa da passada sexta-feira, 31 de outubro, acompanhou um grupo de residentes (a maioria, estrangeiros) de Penamacor à porta da autarquia, no dia de tomada de posse do novo executivo. Para sensibilizar para a necessidade de vetar os novos projetos para centrais fotovoltaicas na região, nos concelhos de Penamacor, Idanha-a-Nova e Fundão.

As tomadas de posse, nestes três municípios, foram aproveitadas por alguns movimentos cívicos (além da Plataforma também o Movimento Cívico Gardunha Sul tem estado nos protestos), para mostrarem o seu desacordo com as áreas que serão afetadas pelas novas centrais fotovoltaicas da Beira e Shopia, dois projetos solares que, segundo os contestatários, ameaçam áreas naturais classificadas e a biodiversidade.

Samuel Infante conta ao NC que não é apenas o projeto Sophia que está em causa, mas sim “vários parques solares”, não só os que estão em consulta pública, “mas também os que estão projetados para a zona”. O ambientalista afirma que se tratam de “vários milhares de hectares de terreno” que sofrerão com o impacto das instalações, “com alterações na paisagem, nos carvalhais, na pastorícia, na caça ou no modelo de desenvolvimento que tem sido seguido. Tudo é posto em causa” garante. Infante garante que estes “megaprojetos” terão enorme impacto negativo. Sobre a central solar fotovoltaica Sophia, que abrange os municípios do Fundão, Idanha-a-Nova e Penamacor, a Plataforma argumenta que esta, nomeadamente os setores mais a Sul, coincidentes com os concelhos raianos, “sobrepõem-se ao Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO e violam o Plano Diretor Municipal (PDM) de Idanha-a-Nova e a Paisagem Protegida Regional da Serra da Gardunha”.

Segundo dados disponibilizados pela empresa responsável pela central fotovoltaica, o investimento ronda os 590 milhões de euros e a capacidade instalada na central fotovoltaica será de 867 MWp (Megawatt pico).  E a central terá uma produção anual prevista de 1.271 Gwh (gigawhatt-hora), o que lhe permitirá gerar “energia equivalente ao abastecimento de mais de 370 mil habitações”.

“O que está em causa é a localização. Há muitas áreas destruídas, sem valor ambiental, artificializadas, onde estas centrais podem ser instaladas. Não há necessidade nenhuma, em territórios tão grandes, de destruir e por em causa o desenvolvimento da região” afirma Samuel Infante, que justiçou, em Penamacor, a presença de duas dezenas de cidadãos, a maioria britânicos, com o facto de temerem o que o futuro lhes reserva. “Temos aqui muitos estrangeiros que investiram e vieram para morar cá, investiram as suas vidas na região, estão a desenvolver modelos de vida sustentáveis, e tudo isso é posto em causa.  Em algumas freguesias, como por exemplo Mata da Rainha, são mais de 600 estrangeiros que compraram quintas, investiram, criaram riqueza, emprego. Estamos a falar de caminhos públicos que vão ser cortados, duas linhas de alta tensão, um impacto paisagístico forte em Aldeias Históricas” afirma.

Já o projeto da central fotovoltaica da Beira contempla a instalação de 425.600 módulos fotovoltaicos, com uma potência total de 266 Megawatt (MW), numa área de 524,4 hectares dos concelhos de Castelo Branco (Monforte da Beira, Malpica do Tejo, Benquerenças, União das Freguesias de Escalos de Baixo e Mata e Castelo Branco) e em Idanha-a-Nova (Ladoeiro e União das Freguesias de Idanha-a-Nova e Alcafozes).  Segundo a Plataforma de Defesa do PNTI, todo o projeto da central fotovoltaica está dentro da área proposta de alteração dos limites da zona de proteção especial do Tejo Internacional, Erges e Pônsul.  Este projeto esteve em consulta pública e atualmente encontra-se em análise.

Samuel Infante teme que as coisas não fiquem por aqui. “A tendência não vai parar. A União Europeia quer investir sete vezes mais em energias renováveis. E esse deve ser o caminho, mas não em zonas rurais, onde há qualidade de vida.” O responsável pede, por isso, aos novos autarcas agora eleitos na região, que intervenham. “Os licenciamentos, neste momento, está tudo nas mãos dos presidentes de câmara, que podem ainda vetar estes projetos. Se não lhes atribuírem utilidade pública, eles não podem ser aprovados. É por isso que estamos a tentar sensibilizar as autarquias da região a que ponham travão a isto. Porque há outros modelos de desenvolvimento, e outros locais onde instalar estas centrais”, justifica.  Às autarquias, a Plataforma tem entregue um manifesto contra estes dois projetos solares.

“O procedimento não está a respeitar os cidadãos locais”

Além desta entidade, a associação ambientalista Quercus já manifestou profunda preocupação com a localização da central fotovoltaica da Beira, que pode “provocar perdas irreversíveis para espécies ameaçadas e para habitats, como a águia imperial ibérica”.  Também a associação ambientalista Zero recomendou o chumbo da central porque considera que o “megaprojeto solar”, que ocupa 525 hectares, ameaça a biodiversidade em área classificada e viola o princípio da precaução.

Já na Cova da Beira, o Movimento Cívico Gardunha Sul promoveu na segunda-feira, 3, uma manifestação contra o projeto Sophia, com os populares a juntarem-se em frente à Câmara, onde decorreu a tomada de posse do novo autarca, Miguel Gavinhos.

O movimento reclama uma “maior transparência e participação pública” no processo, e exige a “suspensão imediata do processo de consulta pública” até que as restantes condições descritas sejam cumpridas e, posteriormente, o prolongamento do prazo para participação pública. “O procedimento não está a respeitar os cidadãos locais. O acesso à informação não está a ser democrático. Os cidadãos têm o direito a conhecer o projeto na sua totalidade e os reais impactos na sua vida”, vinca, propondo a realização de sessões públicas de informação às populações sobre o projeto Sophia, a decorrer nas localidades adjacentes, com a empresa promotora e especialistas independentes para avaliação dos impactos.

O Movimento Cívico Gardunha Sul exige ainda “informações claras e compreensíveis, não só sobre a localização precisa do projeto, como a descrição específica dos impactos nessas áreas”, mas não de uma forma global, “como apresentadas no Estudo de Impacto Ambiental”. Defende ainda a elaboração de um estudo por uma ou mais organizações independentes sobre os impactos totais do projeto. “A empresa promotora não poderá interferir na escolha da organização a elaborar o estudo”, salienta, pedindo também que se considere o redimensionamento e localização da central, “com alternativas para minimizar impactos negativos a todos os níveis.” É também pedido às câmaras municipais dos três concelhos (Fundão, Penamacor e Idanha-a-Nova) abrangidos pelo projeto Sophia que “tomem medidas imediatas no sentido de apoiarem e cooperarem com os seus munícipes na concretização destas condições.”

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