“Solar sim, mas nos sítios certos”

Guilherme Crucho

 

Presidente da JS de Penamacor

 

São várias as consultas públicas a nível nacional para as centrais solares. Mas há uma que me diz muito mais que as outras, a que atravessa o Fundão, Penamacor e Idanha-a-Nova. Nesta consulta pública, discute-se muito mais que megawatts. Discute-se a forma como queremos fazer a transição energética: com cabeça e respeito pelo território, ou à pressa, ocupando solo fértil e puxando cabos por quilómetros porque “é mais fácil”.

Vou ser claro. Colocar painéis em campos produtivos para depois abrir corredores de alta tensão, não é transição energética. São atalhos. E quando se fala de território, há que ter em conta que estes atalhos saem caro em bem-estar, coesão social e reputação da própria transição.

As centrais por si só não levantam riscos sanitários relevantes para quem vive fora das cercas. O que pesa na saúde e no conforto das pessoas são as perceções de risco, impacto visual e a transformação da paisagem. Legalmente, os limites de exposição eletromagnética são apertados e os projetos têm de respeitar estes limites, por isso, aqui não está o problema principal. O problema está no resto, incômodo e perturbação do sono em locais sensíveis, perda de amenidade e quebra de valor residencial nas imediações quando se enchem horizontes com apoios, cabos e campos de painéis. Acresce a isto o efeito térmico local, que alguns estudos já observaram, erosão em terrenos inclinados se as obras de manutenção forem pobres, e a pressão sobre árvores protegidas ou mosaicos ecológicos que dão identidade e serviços ao território. Tudo isto é evitável? É, se escolhermos bem o sítio e o desenho.

E é aqui que falhamos demasiadas vezes. Porque há uma forma muito mais inteligente de produzir energia solar: utilizar primeiro o espaço já artificializado. Telhados de casas, armazéns, escolas e hospitais. Parques de estacionamento cobertos, que proporcionam sombra e conforto. Corredores de infraestruturas (rodovias e ferrovias) e áreas industriais ou degradadas. Tudo isto existe, muito, e perto de onde a energia é consumida. Tudo isto dispensa quilómetros de alta tensão novos, reduz perdas, diminui o impacto visual e, na maioria dos casos ganha decerto, aceitação social.

Alguns dirão, “Mas precisamos de escala.” Precisamos, sim. E a escala está aí. Telhados sozinhos dão gigawatts, parques de estacionamento idem. Se esquecer o agrovoltaico, que bem feito com painéis mais altos, corredores para máquinas agrícolas, pastoreio ovino e culturas que tolerem/beneficiem da sombra parcial. Isto permite produzir a energia e manter a produção agrícola, isto não é greenwashing, se for exigido no planeamento e desenhos, com objetivos atingíveis e mensuráveis. É isto, ou continuar a trocar hectares de rendimento agrícola por hectares de rendimento elétrico, como se o interior fosse apenas uma superfície disponível.

Também não nos podemos esquecer do ciclo de vida destes equipamentos, que duram tipicamente 25 a 30 anos. Já há regras para fim de vida e reciclagem. Mas há garantias de desmantelamento e planos de reciclagem operacionais? Sem isso, ficamos com os passivos no território quando o entusiasmo e as tarifas mudarem.

A transição energética tem de ser rápida, justa e bem feita. Rápida, porque o clima não espera. Justa, porque o interior não é armazém de infraestruturas para servir os centros urbanos. Bem feita, porque decisões mal pensadas hoje viram conflitos amanhã e atrasam a própria transição. Temos alternativas maduras para instalar muitos megawatts sem sacrificar o que nos torna únicos. É escolher.

No fim, fica o essencial: energia solar é uma oportunidade tremenda para a Beira Baixa Interior. Mas a oportunidade não está em chapar os painéis no meio do campo, está em espalhar a geração perto do consumo, usar o que já temos, integrar com a agricultura e respeitar a paisagem. Se estas consultas públicas, servirem para mudar o guião e os desenhos, então terá valido a pena a discussão. Se servir para mais do mesmo, perdemos todos: as pessoas, a agricultura, a biodiversidade e a própria transição. Escolhamos a visão, não o atalho.

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