Pedro Castaño
Vindo de Amares, António Variações amava. A vida, as pessoas, Portugal.
Como o corpo é que paga, tomaria comprimidos na esperança que passasse. Mas o seu anjo da guarda não o protegeu, mesmo tendo vivido a vida que quis. Tendo sido ele próprio. Como se sentia – como sentia o amor. Num país habituado à contenção, cinzento, apareceu como quem não conhece travão; colorido, direto, espontâneo. Não quis representar ninguém. Quis apenas existir como era — inteiro e sem disfarces. Não fazia da originalidade uma bandeira. Era, simplesmente, genuíno. A sua maneira de estar confundia-se com a sua maneira de sentir: natural, instintiva, sem cálculo. Cantava o que lhe vinha à cabeça, essa sem juízo, vestia o que lhe apetecia, dizia o que pensava. E, por isso, desconcertava. E atraía. Como se todos quiséssemos ser como ele. Livres.
Portugal ainda olhava de lado quem saía da norma. E ser homossexual estava longe de ser considerado normal. Apregoá-lo, então era de doidos. Mas ele seguia em frente, sem manifesto, ou melhor ele era o seu próprio manifesto. Não queria mudar o mundo; queria apenas que o mundo o aceitasse tal como era. Nessa vontade simples, e quase ingénua, tornou-se referência para quem busca o mesmo, um lugar onde possa caber sem ter de se dobrar. Talvez tentar ser feliz.
Nas contradições da vida, o moderno era também o tradicional. Amava Portugal, e as Marias, Albertina ou de Fátima. E Amália, a Maria que nunca se fechou em Portugal. A Maria que vinda do povo se elevou ao topo do mundo. A sua bandeira. A força de Variações está nessa verdade desarmada. Não ensaiou a diferença, não teorizou a autenticidade — viveu-a. Foi ele próprio quando ser si mesmo ainda causava espanto. Hoje, passadas décadas, continua a ser mais atual do que nunca. Num tempo de imagens construídas e personalidades calculadas, António Variações lembra-nos que a singularidade não se fabrica, acontece. E que o maior gesto de afirmação não é o de quem grita quem é, mas o de quem simplesmente o é. A sua força e originalidade continuam a ser cantadas. Mas não chega.
