Ninguém quer nada com esta Sophia

Consulta pública do projeto foi a mais participada de sempre, com quase 13 mil contributos. De norte a sul do distrito, vozes dissonantes são mais que muitas

É caso para dizer que pouca gente quer ter esta Sophia na sua vida, em diversos concelhos da Beira Interior. O projeto que pode vir a ocupar 393,4 hectares de terreno nos concelhos do Fundão, Penamacor e Idanha-a-Nova, foi, de um modo geral, recusado pela grande maioria das entidades que foram chamadas a pronunciar-se sobre uma das maiores centrais fotovoltaicas do País, cujo o início das obras está previsto para 2028, com a entrada em funcionamento lá para 2030.

Porém, para que tal seja possível é preciso que agora a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) analise os contributos deixados por cidadãos, entidades, associações ou outros, durante a consulta pública do projeto, que decorreu entre 10 de outubro e a passada quinta-feira, 20 de novembro. Só após isso será emitida uma Declaração de Impacto Ambiental, que se estima possa acontecer apenas em 2026. Porém, a atestar pelos contributos, muito haverá a analisar, já que esta consulta foi a mais participada de sempre em Portugal, com 12 mil 693 participações, “um recorde inédito e histórico de participações em Portugal, reflexo da indignação, preocupação e ação das populações e instituições locais relativamente ao projeto” frisa o movimento cívico “Cidadãos pela Beira Baixa”. Se o parecer for favorável, segue-se o relatório de conformidade ambiental do projeto de execução (RECAPE), também sujeito a consulta pública, seguido das aprovações municipais.

Certo é que ao longo das últimas semanas a contestação a este megaprojeto solar foi crescendo e vendo muitas entidades pronunciarem-se contra ele. “Apesar de a população e o movimento cívico “Cidadãos pela Beira Baixa” se assumirem claramente favoráveis às energias renováveis, esta dinâmica tornou evidente a forte oposição ao projeto, considerando-o desproporcionado, com impactos significativos, duradouros e irreversíveis e desenvolvido, ao longo dos últimos 6 anos, à margem das comunidades da Beira Baixa” frisa o movimento, em comunicado, defendendo uma avaliação integrada e rigorosa dos impactos cumulativos deste megaprojeto com os demais projetos de energia fotovoltaica e de hidrogénio já instalados e projetados para a região. Apelando à assinatura da petição “Pela proteção e defesa da Beira Baixa e pela suspensão dos megaprojetos fotovoltaicos Sophia e Beira” a ser dirigida à Assembleia da República.

No que diz respeito às três autarquias “atingidas”, todas disseram “não” ao projeto. Depois do parecer desfavorável de Penamacor, também Idanha-a-Nova e Fundão foram pelo mesmo caminho. A autarquia idanhense, em comunicado, dizia ter emitido, no dia 14, um “parecer formalmente desfavorável à implementação da Central Solar Fotovoltaica Sophia e respetivas linhas de muito alta tensão”, considerando “essencial que estes projetos sejam implementados de forma equilibrada, respeitando o ordenamento do território, o ambiente e a qualidade de vida das populações”. A Câmara raiana não se revê nestas instalações por não querer “abdicar da identidade do concelho nem comprometer o património que o caracteriza.” E garante que após reunir com juntas, mas também com a entidade promotora, a sua decisão se fundamenta “na incompatibilidade do projeto com os valores ambientais, culturais, paisagísticos e socioeconómicos que caracterizam o concelho e que sustentam o seu modelo de desenvolvimento.” A autarquia alude aos impactos criados com, entre outras medidas, a conversão de centenas de hectares de solos agrícolas, florestais e agroflorestais, “inviabilizando atividades produtivas essenciais e comprometendo a resiliência do território”, o abate previsto de mais de 1500 sobreiros e azinheiras, a afetação “significativa” da biodiversidade, a fragmentação de habitats, o impacto paisagístico “severo” e a contradição com compromissos nacionais e internacionais que distinguem Idanha-a-Nova como território da UNESCO (Geoparque Mundial, Reserva da Biosfera, Cidade Criativa da Música) e a designação de primeira Bio-Região portuguesa. O Município sublinha que apoia a transição energética, mas reafirma que “esta deve ser realizada com rigor, equilíbrio e respeito pelos territórios e comunidades, privilegiando áreas já artificializadas ou de menor sensibilidade ambiental”. Segundo a autarquia, o projeto, nos moldes apresentados, “não serve o interesse público nem garante a salvaguarda do património natural e cultural que constitui um ativo estratégico do concelho.”

Também a Câmara do Fundão, em comunicado, afirma que “perante as condições atualmente conhecidas” deu parecer desfavorável ao projeto. A autarquia frisa que é reconhecida, há décadas, como impulsionadora dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na região, que reafirma o seu compromisso “firme” com a descarbonização e com as energias renováveis”, mas que apesar de defender uma energia limpa “também defendemos algo que para nós é inegociável: a proteção do território, da paisagem cultural, das populações e das oportunidades de futuro do concelho.” Para o município, a proposta de instalação do Projeto Sophia representa uma intervenção territorial de “uma dimensão e impacto preocupantes”, com a ocupação de 393,4 hectares, incluindo 81,1 hectares de módulos fotovoltaicos, incidindo sobre solo agrícola e silvopastoril. Afeta 48,4 hectares de REN e 3,9 hectares de RAN e pressupõe o abate de 675 sobreiros e azinheiras, espécies protegidas. “Esta escala de intervenção, a par do desconhecimento formal das formas de evitar ou mitigar os seus impactos, não é compatível com um concelho que tem construído o seu desenvolvimento sobre a abertura e proximidade às pessoas, a sustentabilidade, a qualidade do território e a valorização dos seus recursos materiais e imateriais” salienta. E adianta que o projeto colide com a estratégia municipal de ordenamento refletida no seu Plano Diretor Municipal (PDM). “Acresce que 222 hectares previstos para o projeto coincidem com o futuro Projeto de Regadio da Gardunha Sul, estruturante para o futuro agrícola do concelho”, salienta ainda.

A autarquia fundanense considera que a instalação prevista “afetaria gravemente a paisagem natural e cultural que tem atraído novos residentes e alimentado a autoestima das nossas comunidades” e que o projeto, “tal como se conhece não cumpre os critérios para a emissão de Declaração de Interesse Municipal.”  A Câmara também garante que, até à data, “não deu entrada” nos seus serviços “qualquer pedido formal de licenciamento.” O município garante que continuará a trabalhar com autarquias vizinhas, entidades competentes e o Governo, mas que será “igualmente intransigente sempre que estejam em causa a integridade do território, a coesão social, a sustentabilidade ambiental e o futuro das novas gerações.”

“Incontestável degradação da paisagem”

Além das três autarquias, muitas outras associações, quer cívicas, ambientalistas, ou de gestão do território, se pronunciaram contra o projeto. A Comunidade Intermunicipal (CIM) da Beira Baixa, que integra os municípios de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão, em comunicado, expressa uma posição desfavorável ao projeto, apesar de reconhecer a importância da transição energética. Que deve ocorrer “de forma equilibrada, com respeito pelo ordenamento do território, pelo ambiente, pela biodiversidade e geodiversidade, pelo potencial produtivo dos espaços agro-florestais e pela qualidade de vida, quer de quem habita como de quem visita este território.”  A CIM recorda que a Beira Baixa tem paisagens únicas, muitas com classificação de áreas protegidas, tem as Terras do Lince, duas bio-regiões, as Aldeias Históricas ou do Xisto, um território que  reflete “o equilíbrio na utilização dos recursos, na preservação dos solos e da natureza, e na valorização das tradições locais”, o que choca com um projeto que prevê uma “significativa e contínua extensão da área que se prevê artificializar, à qual se juntam as áreas de infraestruturas congéneres já instaladas ou em processo de instalação, que resultaria numa incontestável degradação da paisagem, numa séria limitação de outros do solo, designadamente agroflorestais, incluindo a apicultura e a cinegética, e em efeitos não negligenciáveis nas condições climatéricas locais. Esta entidade recorda ainda as “consequências nefastas, dada a escala da instalação, sobre outros usos do território, comprometendo o desenvolvimento associado ao turismo e aos modos de produção tradicional e biológico, que dependem dos caracteres de autenticidade e qualidade ambiental, elementos reputacionais muito sensíveis.”

Também o Georpark Naturtejo deu parecer negativo ao Sophia, fundamentando a sua posição “na ausência de garantias quanto ao cumprimento dos compromissos internacionais assumidos por Portugal para a proteção do ambiente, do património e da paisagem. Acresce a inexistência de estudos sobre os impactes cumulativos dos projetos de energias renováveis na região e a falta de um plano de desenvolvimento socioeconómico sustentável que assegure o equilíbrio territorial”, salienta em comunicado.

A Quercus de Castelo Branco salienta que esta mega central e a da Beira “são incompatíveis com a preservação dos valores ambientais e culturais desta região. Nenhuma delas pode ser implementada.”

O PCP de Castelo Branco, apesar de reconhecer que o recurso a energias renováveis “é essencial”, isso “não pode justificar tudo”, e que os projetos Sophia e Beira “não servem nem os interesses do distrito nem do país”. Pelo contrário, “acrescentam pressão sobre solos agrícolas e áreas ambientalmente sensíveis, afetam a paisagem e a identidade cultural das aldeias, e têm impactos significativos na biodiversidade.” Para o PCP, os projetos atualmente em discussão “visam sobretudo o lucro rápido das grandes multinacionais do sector energético, sem trazer benefícios reais para as populações”, apelando ao Governo para que suspenda os mesmos.

O NC questionou por mail, o promotor, a Lightsource BP, se perante a contestação popular poderia reformular o projeto, mas até então não teve resposta.

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