A ARQUITETURA DA SOLIDÃO: (DES)CONEXÕES

Cátia Ruas Antunes

Psicóloga Clínica

A solidão é um problema de saúde pública global e uma das grandes preocupações do século XXI, sendo frequentemente referida como uma “epidemia silenciosa” pela Organização Mundial da Saúde. Uma em cada seis pessoas no mundo está só. Os sintomas psicossomáticos como ataques de pânico, dores de cabeça, stress e ansiedade, fadiga crónica, dor nas costas, dores no peito, tonturas, palpitações, náuseas, falta de ar, eczema, formigueiros, entre tantos outros, que significado terão dentro do contexto da solidão? Portugal apresenta taxas preocupantes de dependência de sedativos, ansiolíticos e antidepressivos, que atravessam as idades e gerações. Pergunto-me se a sedação, química ou social, fará parte do impacto da solidão, ou a acentua. Há cada vez mais incomunicabilidade da experiência interior. É possível ressignificar a solidão não apenas como ausência de companhia, mas como um evitamento constante dos desconfortos, e de olhar para dentro. Estaremos a pagar o preço de uma vida substancialmente mais exigente e difícil? A mudança para um paradigma tecnocrático do agora, contribuiu para o desenho de novas rotinas de distrações, e vazios, sem uma história com início, meio e fim. Que gula para gulosos, com entretenimento ali à mão de semear, sem muito espaço para sentir e pensar.

A necessidade de alívio imediato, pelo consumo, compras, comida, antidepressivos, é um percurso que parece lógico. Ainda há poucos anos, na memória fica, para quem tinha uma televisão, tinha a necessidade de aumentar o volume, e lá tinha de “muscular as pernas” para o fazer. Hoje, com um comando sempre na mão, porque o faríamos? Tudo se dobra às necessidades do indivíduo, quando é a necessidade que faz o monge, e o músculo que dá força. Navegar no desconforto, pode baixar o volume da dor, e trabalhar a tolerância e a resiliência. E o desconforto, não será crescimento? Procurar conexão nas redes sociais, validação na aprovação externa e felicidade na aquisição de bens, são paliativos, são muros, e não constructos da identidade. Será possível, construir uma nova arquitetura social pela reconexão ao aprender a navegar e digerir emoções desconfortáveis, sem evitamentos? Procurar um amigo, criar uma narrativa forte para si próprio, fazer exercício físico; ou mesmo cultivar a solitude, transformar a solidão com produtividade, autoconhecimento e reflexão. Crescer também para dentro. “As prisões estão dentro das nossas mentes como gaiolas” (Afonso Cruz) e para acabar com a solidão no mundo, é importante acabar com a solidão dentro de cada um de nós.

Boa semana e Bem-haja!

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