NEXT STOP RÓDÃO *

"Saibamos escolher a decência, a boa educação, o respeito pela liberdade, pela justiça, pela inclusão. Não nos deixando tomar pela artificialidade dos dias"

Por estes dias inevitavelmente recuo sessenta anos, e vou buscar as memórias daqueles natais. Mesmo que tenha perdido a inocência e deixado de acreditar no Pai Natal, mesmo que na verdade nem seja católico, mesmo que cada vez mais perceba um mundo destroçado, mesmo que sinta claramente como as pessoas deixaram de sonhar, mesmo que perceba que bondade e solidariedade sejam apenas palavras vãs, e que o que conta é ser-se o melhor, competitivo, capaz da humilhação, do exercício de violência, em muitos casos do incitamento ao ódio, mesmo assim recordo com amor aquelas noites em que antes de nos deitarmos, eu e meus irmãos, pendurávamos as meias na chaminé da cozinha, onde sabíamos que durante a noite São Nicolau por ali desceria em silêncio, deixando generosamente os presentes por que tanto aguardávamos, como uma pista de carros Scalextric, uma bola de futebol, uma flauta ou clarinete, um livro, uns chocolates, e o obrigatório par de meias.

Havia alguma previsibilidade nas escolhas do tipo que vinha lá não sei de onde, de muito longe, apenas para nos compensar por termos sido bons meninos. E na verdade, quase nunca acertava nas nossas ambições. Não me esqueço de um cachecol, um par de luvas, ou até mesmo de uma camisola de lã. Era sempre muito frio, o Natal naquela cidade onde nasci e vivi os primeiros e ingénuos anos. Tantos natais depois, perdida a inocência, invariavelmente chegada esta época do ano, me pergunto o que realmente gostaria de sentir? E é quase certo, que o passarinho que pousou no meu ombro, me segredou; “por que não pedes que o mundo onde vives, seja um lugar mais apetecível?”, ao que eu também quase sempre respondo; “mas isso é o que peço todos os dias, não é preciso este faz-de-conta anual”!

Lembro-me de pouco tempo após a minha chegada à Covilhã, ter escrito numa crónica a que chamei A Democracia Imperfeita, que é hora de “resistirmos à tentação da solidariedade de fachada, à hipocrisia, e de fazermos boas escolhas, de atentarmos na permanência do escrutínio, e de sermos exigentes”. Cabe-nos fazer com que vivamos em paz, digamos não à mentira, à falsidade, ao egocentrismo, ao populismo, exercendo diariamente a partilha, pensando num bem-estar colectivo, e no desenvolvimento social, Olhando em frente, nunca esquecendo o que trouxemos, e quem olha connosco como se cada momento signifique um novo começo. Saibamos escolher a decência, a boa educação, o respeito pela liberdade, pela justiça, pela inclusão. Não nos deixando tomar pela artificialidade dos dias. Estes são os meus pedidos, não apenas para este período, mas prolongando a alegria de viver por infinito tempo. Tendo em mente que “a mais imperfeita das democracias é sempre mais justa do que a mais sofisticada das ditaduras”. Voemos, saibamos ser livres, e aproveitar a viagem.

* Escolhi NEXT STOP RÓDÃO para título desta crónica porque nas minhas primeiras viagens de comboio para a Covilhã, registei com graça o aviso do maquinista da CP, que avisava desse modo sempre que o trem se aproximava de Vila Velha de Ródão.

** Esta foi a última edição impressa de 2025

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