Pedro Castaño
Aldina Duarte não chegou cedo ao fado, mas chegou inteira. Talvez por isso a sua relação com ele nunca tenha sido de reprodução, mais reflexão. Antes de cantar, escutou; antes de subir ao palco, leu. Antes de se afirmar como voz, pensou o lugar dessa voz. O fado, nela, não é impulso, é um entranhar de vida transformado em arte.
A sua biografia ajuda a compreender esse caminho.
Cresceu em Chelas ( bairro de fadistas improváveis ) longe de romantizações, num tempo em que a vida era mais sobrevivência do que promessa. Trabalhou em jornais, passou pela rádio, escreveu, observou. Quando o fado finalmente lhe penetrou, já trazia todo um mundo para lhe dar densidade. Não o usou como abrigo sentimental, mas como território expressivo exigente, onde cada palavra conta.
Aldina Duarte canta como quem escreve. E escreve como quem canta. Ao longo dos anos, construiu um corpo notável de letras — suas e de outros — onde a linguagem não é ornamento, mas matéria central. Há nelas rigor, leitura, pensamento. Reforça o papel do fado na excelencia da poesia, quando o seu fado dialoga com a literatura, com a poesia contemporânea, com a tradição sem reverência cega. Respeita-a, interroga-a, prolonga-a.
Nos trabalhos mais recentes, como Metade-Metade, abre ainda o fado ao diálogo com o presente, cruzando-o com novas escritas e preocupações do tempo — sociais, ambientais, humanas. Não para modernizar o fado, mas para o manter vivo. Aldina Duarte não força a actualidade; acolhe-a.
Num panorama onde tantas vezes o fado é reduzido a imagem ou emoção fácil, Aldina Duarte afirma-se como uma intérprete que pensa, escreve e constrói. O seu lugar é o da profundidade tranquila: alguém que entende o fado não como herança imóvel, mas como linguagem capaz de continuar a dizer o mundo. Com exigência, com cultura, com verdade.
E ela é muito mais que fado



