Assunção Vaz Patto
Numa altura em que o Mundo está virado de pernas para o ar, e em que sentimos a nossa pequenez face a um processo de epidemia que democraticamente afecta ricos e pobres, a ordem é não criar mais dificuldades a quem está ao leme, mesmo que quem esteja ao leme não pareça perceber nada do que está a fazer. Faz sentido: a última coisa que se quer é cortar a pouca confiança que os portugueses têm nos governos e reduzir a cooperação de todos, porque só vamos conseguir vencer a epidemia com a cooperação de todos. Desengane-se quem pensa que é o Governo que está a gerir o “bicho”, porque o processo de navegação à costa (com um nome adequado e tudo) está a fazer muito pouco. Nós, portugueses, independentemente das nossas opções políticas é que estamos a fazer tudo. Nós e Deus.
E se Deus quiser, vamos ficar bem e vamos estar cá para pedir contas a quem andou a navegar à costa ao longo do processo. Pelos que morreram, pelos que ficaram doentes e por todos os que, com mais ou menos medo, ficámos em casa /saímos de casa para fazer o que temos de fazer. Sem testes suficientes, sem materiais de protecção suficiente, e com números de mortes e infectados cada dia mais estranhos.
Quando se trata de pedir justiça aos homens, não podemos ficar calados, nem à espera da justiça do outro mundo. Esta chegará certamente, mas todos os processos de injustiça na terra só contribuem para aumentar o número de pobres, dos que não têm nada, dos que perderam tudo. E vamos ter muitos pobres entre nós, a crescer de dia para dia.
Se alguma coisa me interessou no Cristo, filho de Deus, foi a sua veemente defesa dos pobres, numa altura em que ser pobre era um destino, e onde ninguém se preocupava com eles, a não ser quando temiam a rebelião das massas. Nesta Páscoa, Cristo pediu-nos que olhemos pelos pobres, que ponhamos o elevador social a funcionar e que, perante a calamidade económica que se avizinha, arregacemos as mangas e criemos condições para dar à maioria dos portugueses uma vida digna.
E isso passa, não por subsídios, nem por esmolas, nem por rendimentos de integração social, mas por educação de qualidade, serviços de qualidade e sobretudo trabalho bem pago e que gere riqueza, de forma a “cozermos” os buracos que este vírus fez na nossa muito frágil economia. Necessitamos de trabalhadores e de patrões- patrões que gerem trabalho, que mantenham as suas pequenas empresas, que tenham visão, que exijam dos seus empregados, mas sobretudo que lhes paguem bem.
Num processo em que vai ser preciso reestruturar o País todo, num processo em que patrões e empregados estão no mesmo barco, numa altura em que dependemos todos uns dos outros, está na altura de pedir justiça. Justiça para os patrões, para termos trabalho para todos (e isso implica não esmolas do Estado, não endividamento progressivo mas medidas verdadeiramente sustentadoras de empresas, com redução de impostos, com apoio no investimento, com apoio no aumento da produção e exportação da mesma) mas e sobretudo justiça para os trabalhadores: melhores salários, mais condições de trabalho nas fábricas (e lembrarmo-nos que horas seguidas a fazer a mesma coisa é desumano), mais apoio na relação com a família, menos impostos sobre o trabalho e, sobretudo, o reconhecimento da importância do trabalho e dos trabalhadores no mundo que vamos começar a seguir ao vírus.