A Garota Não: a voz que ilumina o que fica na sombra

Pedro Castaño

A Garota Não tem uma forma própria de chegar ao centro das coisas. Cátia Mazari Oliveira cresceu no bairro 2 de Abril e é dessa geografia íntima — de vidas apertadas, silêncios densos e coragens discretas — que nasce o seu repertório. Não encena papéis, não teme vestir causas: transporta para a canção aquilo que a vida lhe entregou.

E é essa franqueza sem pose que a distingue.

Nas suas músicas, ser mulher não é um conceito: é o resultado de marcas, memórias, gestos interrompidos. A violência doméstica surge não como bandeira, mas como ferida que conhece de muito perto e que devolve ao público com uma clareza que raramente se ouve.

A Garota Não não dramatiza, ilumina. Não denuncia; afirma! E ao fazê-lo, dá rosto e nomes a todas as mulheres que a sociedade insiste em manter num quase anonimato.

Fala da inquietação dos jovens — da precariedade, da incerteza, do desalinho entre o que esperam da vida e o que a vida realmente oferece. Captura tensões com uma naturalidade desarmada, convertendo vulnerabilidades comuns em narrativa musical. Com a crueza da vida nos bairros que o poder marca como problemáticos.

É por isso que tantos se revêm nela: porque sabe traduzir o que tantos sentem e poucos dizem.

Ao mesmo tempo, inscreve-se numa linhagem que respeita profundamente: Zeca, Sérgio Godinho, Fausto e essa tradição de cantautores que fizeram da canção portuguesa um território de verdade. Não os cita para se legitimar; dialoga com eles na ética da palavra direta, na atenção às vidas reais. Crueza, dor, amor, revolta, esperança em ter esperança. A esperança que a lista de nomes a serem lidos em palco não continue a crescer todos os dias.

A Garota Não pertence a uma geração que devolve à música portuguesa o pulso social do quotidiano. Mas fá-lo com uma marca muito sua: sem arengas, sem slogans, apenas com a coragem de olhar de frente para o que dói – e transformar isso em voz.

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