A geração ansiosa: repensar pausas e contrariar a dependência

Cátia Ruas Antunes

Psicóloga Clínica

 

Quem se lembra como era a vida nos incontornáveis anos 80? Uma viagem no tempo, onde a rua era o palco principal e as relações eram tangíveis. Quem não recorda o entusiasmo em bater à porta do vizinho, que exigia iniciativa, e coragem, em convidar o amigo para jogar ao berlinde? Essa liberdade vinha com o sabor silvestre das amoras apanhadas diretamente da amoreira e dos aromas que se fixavam na memória. Em casa, o tempo também tinha outro valor, ter hora marcada de madrugada para ver desenhos animados, e para os convívios familiares à mesa da refeição sagrada, aquando todas as gerações se misturavam. A infância mudou de paradigma, saiu do mundo, baseado na brincadeira e na autonomia, e irrevogavelmente, entrou no mundo digital de vigilância, individualização e performance. Um mundo sem cheiros das folhas de limão, sem abraços transpirados de aventuras, com ponteiros de relógio apontados para cada pausa no tempo, amplificando a pressão da cultura do fazer mais e mais.

Recentemente li um livro extraordinário que todas as pessoas deveriam ler: a Geração Ansiosa. A geração sintoma per si. Há uma crise de saúde mental que assola crianças e jovens, que aparece nesta transição para a vida digital, e que trouxe consigo a privação social, com impacto redutor das interações cara a cara, impedindo os jovens de aprender competências essenciais como a empatia e a negociação. A privação de sono, vital, é ativada pela permanente luz azul dos dispositivos e seus alertas 24/07. Esta sobre-estimulação, fragmenta a atenção, altera a concentração e a capacidade de aprendizagem. O carácter aditivo das redes sociais, trabalham a favor de comportamentos de dependência, e contra a autonomia e liberdade fundamentais e humanistas, resultando em falta de motivação e desconexão do mundo real.

Para reverter o Burnout Tecnológico, poderemos enquadrar a ideia de pausas tecnológicas graduais? Uma proposta em resgatar o tempo sem interferência “online”, como num apagão temporário, ao ter de acender velas do mundo e olhar uns para os outros, e para a natureza em volta, (re)acender a ideia de que o “tédio” tem um papel fundamental na conexão, em estar no aqui e agora. Fazer caminhadas na serra, provar novos sabores da terra, ligar o “offline”. Nada substitui a vivência na primeira pessoa, sejam novas aventuras, seja um simples abraço. Experimentar as emoções, pensá-las, ouvi-las, baixando o volume do ruído e da excitação constantes, pode ser interessante para acalmar os ressentimentos e a ansiedade individual. Serão as janelas tecnológicas de um telemóvel, assim tão hipnóticas que não conseguem ser pausadas, de quando em quando? Repensar as pausas, as possíveis, e contrariar a dependência, oferecendo mais espaço para as crianças conectarem, ser curiosas e experimentarem as sensações por si, pode sossegar a ansiedade.

Boa semana e bem-haja.

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