A greve e a questão da féria

Avelino Gonçalves

Juiz

A cidade da Covilhã é um meio, talvez devido a influências do passado, em que os operários «querem conquistar» e não que lhes «ofereçam», parecendo-nos que só com uma repressão energética, como a que se está fazendo, mas contínua, será possível normalizar a situação naquela cidade, embora convencidos que parte dos operários têm direito a que se olhe pela sua situação – Relatório da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado de 13 de Dezembro de 1941.

Manuel Menino Salcedas berrava rancores contra o Alçada. O ajuntador de estambre, nascido na Aldeia, não ia à bola com o médico industrial, não lhe perdoara a judiação feita à frente das operárias da empresa Alçada & Filho, Sucessor. O rapazola, na escuridão da noite, na súcia com outros operários desavindos, alvejara a casa do Alçada e encabeçara a invasão da fábrica. Vingara-se do patrão, que os emagrecia à fome e que não concordava com a forma como a Circular dos Grémios propunha o aumento da féria dos operários.

Uma estrondosa multidão escoa-se pela Rua Direita, vai-se amontoando no Pelourinho. Berrava-se contra os industriais, pedia-se melhor féria, apedrejava-se a autoridade! Os zelosos guardas da P.S.P. e os soldados do Batalhão nº. 2 da GNR faziam um cordão sanitário, agrediam as mulheres. O António Mendes Alçada esmifra a espingarda de um descuidado guarda, atira ao militar. Alguns feridos tombam na lama do Pelourinho. Prendem-nos, arrecadam-nos nos baixos do velho edifício filipino.

O grupo de mulheres, embrulhadas em esfarrapados xailes, aumentava. Cada vez mais mulheres, que na vozeria esfomeada encharcavam os ouvidos sensíveis da autoridade. As pedras da calçada saltavam das mãos femininas, calejadas pela brutalidade da vida. O polícia n.º 6 apanha com uma lapada na cabeça, o sangue corre-lhe pela cara abaixo. A injuriar a multidão e os santos, levanta a arma, dispara às cegas. Um rapazola do Tortosendo, que no ano anterior andara entretido a pintar foices e martelos nas paredes imaculadas da escola, tomba com a perna estropiada pela bala. Um grito de ódio ecoa, abana as sólidas paredes do edifício opressor.

O jornalista do Notícias da Covilhã escreve, leva à primeira página a penúria que alastra na cidade, os bandos famélicos cobertos de farrapos, apela a uma união das instituições de beneficência para dar comida a quem tem fome e vestir os desenroupados.

Abafava-se no Tribunal do Trabalho. Os membros do Tribunal Arbitral Corporativo julgavam o operário Manuel Menino Salcedas. Durante as greves, que assolaram as fábricas alapadas na Carpinteira e na Degoldra, faltara injustificadamente ao trabalho. Escapara às garras da polícia, mas não ao zeloso patrão, que considerava a Circular um acto de indisciplina para com o Governo, que não homologara o acordo sobre a revisão do contrato colectivo e exonerara os dirigentes dos Grémios. Os operários andavam agitados pela circular dos presidentes dos Grémios de Lanifícios da Covilhã e Sul. O Dr. Alçada, um industrial disciplinador, despedira-o como elemento agitador. O tipo andara a larear a pevide e encabeçara a multidão de comunistas que lhe invadira a fábrica, insultara as mulheres e praticara actos de sabotagem.

Mas, os membros do tribunal corporativo atrevem-se! Arquivam o processo do operário Salcedas, dão–lhe razão e reafirmam a justiça no aumento dos salários. António Maria das Neves, o industrial que vestia a beca corporativa dos operários, vai mais longe. Aproveita, desanca nos industriais que não seguem o Grémio na questão dos salários, diz-lhe algumas verdades, ainda trancadas nos gorgomilos. Em plena sala de audiências apelida de traidores os que ali estavam e colaboravam com o Governo, remoca o Dr. Alçada.

O industrial médico não gostou, responde de forma grossa ao Neves, que ocupava a posição de membro do Tribunal Arbitral. O industrial, apoplético, roxo, chama-lhe malandro. Assoprava as palavras e embebia, no lenço branco imaculado, as bagas de suor que lhe saltavam da testa. Com a face luzidia, inflamada, dá bordoada injuriosa aos do Grémio, que faziam parte da panelinha do movimento que andava a destruir as empresas laneiras:

– Mal vai a sociedade quando a paixão perturba o entendimento dos homens e influencia as sentenças de Justiça, que são chamados a proferir. Uns traidores é o que são!

A coisa termina na justiça ordinária, sobe ao Tribunal da Relação de Coimbra.

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