“A imprensa tem sempre futuro”

Fernando Paulouro, antigo diretor do Jornal do Fundão, faleceu na segunda-feira, 6, aos 78 anos. O NC recorda-o, com uma entrevista que lhe fez em 2018, quando deixou o seu semanário

Tendo sido a família que fundou o Jornal do Fundão, os ‘Paulouro’ resolveram sair de cena no que ao semanário diz respeito. Porquê?

Tinha abandonado o Jornal do Fundão, do qual era diretor, já em 2012. Já nessa fase considerei que a matriz essencial do jornal estava claramente a ser desvirtuada. O JF foi sempre um jornal balizado entre duas perspetivas fundamentais: um jornal de causas, que o tornou um elemento fundamental em relação à região. E sempre houve o assumir de uma perspetiva cultural, visto considerar que a cultura era um elemento fundamental do desenvolvimento. A saída de um elemento da família Paulouro da administração do próprio jornal corresponde ao fim de um ciclo. Não me revia, sobretudo, em relação aquilo que era a própria identificação do jornal com uma perspetiva de fazer informação, que era incómoda, que levou (antes do 25 de Abril) à suspensão do jornal durante seis meses, precisamente por uma notícia cultural.

O JF ainda é um jornal de causas?

Os tempos mudam. O JF era um jornal de causas. Eu próprio estive envolvido em muitas. Já muito depois do 25 de Abril fizemos uma campanha em relação ao túnel da Gardunha para impor a autoestrada da Beira Interior, que ficou célebre por se ter tratado de uma campanha singular na imprensa portuguesa. Desde que o primeiro-ministro, Cavaco Silva, fez a promessa de fazer o túnel e assumir a autoestrada, o JF todas as semanas publicava um quadrado, na primeira página, com alguma história caricata a lembrar a promessa. Isto foi único na imprensa portuguesa e formatou o rosto do jornal. Hoje o jornal continua a defender causas porque não pode estar completamente desligado da realidade que habita. Mas há uma mudança no vigor com que o jornal deve atacar a defesa do interesse público e das populações.

Não sente saudades desse trabalho?

Claro que tenho! O jornalismo é sempre uma grande paixão e eu entendi-o sempre assim. Venho de um tempo em que fazer jornalismo era muito difícil, pois havia censura e o controlo da informação era absolutamente inimaginável. E mesmo nessa altura conseguimos publicar textos absolutamente notáveis e travámos batalhas muito importantes, que fizeram com que o jornal fosse referido na história da literatura portuguesa. A grande obrigação era estar onde houvesse um problema social. O jornalismo, quando é feito com paixão, é como se nos ajudasse a respirar e permitisse que as outras pessoas respirassem melhor. No fundo, o grande objetivo era dar voz às pessoas que não a tinham, nem a podiam ter porque pensar em voz alta era muito perigoso.

Como vê, na atualidade, o trabalho feito pela imprensa regional do distrito?

Sigo com muita atenção a imprensa regional. Continuo muito ligado a ela, mais do que a qualquer outra. Está sempre confrontada com uma situação limite, que é o conhecimento da realidade e a proximidade das pessoas e dos poderes. Aquilo que na imprensa nacional se dilui, na regional subsiste durante muito tempo. Continua a ser preciso muita coragem para o jornalista criticar aquele com quem se cruza diariamente. Há sempre essas limitações, assim como as limitações de carácter financeiro. Os jornais vivem dos leitores e da publicidade e o tecido empresarial do distrito de Castelo Branco é débil. Tudo isto cria muitas dificuldades à própria materialização dos projetos informativos.

E acha que tem futuro?

A imprensa tem sempre futuro. Não podemos é descurar os desafios da tecnologia e os apelos para o digital. Os projetos de imprensa escrita têm que ir de encontro com aquilo que são os desafios do tempo. Sempre desapareceram jornais na imprensa portuguesa, muitos deles com uma tradição brutal, mas sempre surgiram outros.

Existe censura à imprensa regional?

Não há censura, de acordo com aquilo que era a tipologia da censura do salazarismo. Hoje há liberdade de expressão e a censura coloca-se de outra maneira. Há fatores que condicionam o jornalismo, desde logo, os económicos. Se um jornal, por exemplo, é sustentado fundamentalmente pela publicidade de uma Câmara ou de uma grande empresa, está muito inibido no aspeto de poder fazer críticas, pois corre o perigo de poder deixar de contar com esse apoio publicitário, o que muitas vezes pode inviabilizar um jornal. O bom jornalismo é aquele que coloca o interesse público acima de tudo, mesmo correndo o risco de pôr em causa a sua sobrevivência. A liberdade crítica é a própria essência do jornalismo e de fazer informação.

Tem apostado na escrita de livros. É uma paixão ou é apenas uma fuga para a falta de escrita jornalística?

Não sinto o sentimento de orfandade em relação à escrita jornalística. A escrita ficcional é a reelaboração da memória coletiva e o grande desafio de ir à procura da pura coincidência que deve ser a literatura, é o que mais prazer me dá. Escrever é como respirar com palavras.

Como olha, hoje, para os principais problemas que afetam a região?

Com alguma apreensão. Os políticos, que às vezes não conhecem o País, “consideram-nos mortos e morrem”, citando o escritor italiano, Elio Vittorini. Isto é a clara ideia do abandono, do isolamento e daquilo que é um indicador seguro do desinteresse.

Tem havido algum trabalho para se ter uma Beira mais próxima do resto do País?

Trabalho tem havido, não existe é uma aposta concreta. A voz do Interior é uma voz sempre débil. As gavetas estão cheias de diagnósticos sobre aquilo que é necessário para o Interior se desenvolver, há estudos que estão constantemente a ser reformulados, mas o tempo não os leva a serem executados. Quando vemos decisões do Governo, com missões e movimentos pelo Interior, ficamos sempre na dúvida.

O que diria a jovens que têm o sonho de poder um dia vir a ser jornalistas?

Quererem ser jornalistas é uma coragem muito forte.  O mercado do jornalismo, hoje, transformou-se numa selva terrível. Quando algum jornalista mais ousado faz um trabalho que os grandes meios de comunicação não gostam, corre o risco de ser despedido. e há sempre muitos candidatos para o seu lugar a um preço barato. Isto é uma caricatura de um mercado de trabalho que permite as maiores injustiças e nunca premeia aquilo que é o mérito de quem está nesta profissão. O jornalismo tem um papel primordial e insubstituível. Quando deixar de haver jornalistas e jornais, o mundo fica debaixo de um silêncio fatal. E isso poria em causa a própria existência da democracia.

Termina este ciclo feliz?

Muito feliz! Mesmo quando saí descontente, eu escrevi no jornal porque é que saía. Termino com o sentimento de ter contribuído para dar voz à região e para ter acrescentado uma pequena partícula aquilo que é o desafio que cada um tem, à sua medida, de poder fazer um bocadinho melhor à nossa cidade.

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