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Abril a murchar

Daniela Santiago

Jornalista da RTP

Abril, o Abril que se comemora desde que existo está a desvanecer. A murchar como qualquer cravo murcha. A encher-se de humidade e bolor, de ferrugem e artrite, de pó e falhas de memória, numa velhice precoce, desleixada.

Poucos são os que, hipnotizados pelas redes sociais, pelo Google e inteligência artificial, sabem como era a vida, a sociedade, o país, antes dessa madrugada de mudança.

Já nem os manuais escolares leem. Valem-lhes os resumos que se exibem na internet, feitos por outros preguiçosos que copiaram resumos de outros que, infinitamente, copiam sem fim.

Sabem lá, como os direitos das mulheres, dos jovens, dos jornalistas eram castrados por homens censores, ditadores que, ao invés de desaparecerem para sempre, ressuscitam, agora, em corpos jovens e mentes velhas que se sentam no Parlamento português.

Almas penadas defendem que tudo é reversível, inclusive, tempos a que uns míseros portugueses ainda ambicionam regressar. Outros, que não fazem pálida ideia do que foi, ou é, viver em ditadura, quais macaquinhos-do-chinês, perseguem e imitam líderes populistas e extremistas, com propostas bolorentas embrulhadas em papel novo. São machistas, racistas, xenófobos, radicais… porque sim. Porque fazem parte dos descontentes do sistema, que deixaram de acreditar naqueles que sempre os governaram e nunca conseguiram responder às suas ânsias, desejos e necessidades.

50 anos depois de Abril, resta o demérito dos que não fizeram nada, porque podiam fazer muito pouco, o fracasso dos que fizeram pelo bel-prazer dos seus próprios bolsos (e dos amigos) e daqueles que não lutaram para ir contra o sistema. Mesmo que isso os terraplanasse.

Abril, 50 anos depois, sentado no hemiciclo, escolhido pelo povo, há quem defenda o retrocesso de lutas e do sofrimento de décadas. O fim de conquistas e liberdades individuais, de uma democracia que está cada vez mais ameaçada.

Foram escolhidos por nós. Os primeiros a ter obrigação de os repelir. Muitos de nós que sabemos o que foi Abril sem ir aos resumos da internet. Que sabemos o que é uma Chaimite, o lápis azul e a PIDE.

50 anos depois de Abril… o retrocesso faz-se um pouco por todo o mundo, mas nós, gente de cravos e de liberdade, nesta tempestade perfeita, devíamos ter vergonha de não remar contra a maré.

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