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“Abstenção de 50 por cento é derrota para todos”

Assunção Vaz Patto*

Nestas terras tão longe dos grandes centros, tão afastadas de tudo, mais ainda depois deste vírus que veio da China que nos destruiu socialmente/ economicamente/ até psicologicamente, nestas terras do Demo, as eleições autárquicas são uma mancha de cor num horizonte cinzento. Há cartazes com gente mais ou menos bonita (tudo relativo, obviamente…), há carros com altifalantes, há festas com mais ou menos desinfectante e há gente a sorrir e a oferecer-nos papéis. Eu, pelo menos, apercebi-me de como é raro ver sorrisos- isto devido às máscaras, já não via um estranho a sorrir-me há tempo. Mas sobretudo há gente que nos diz: “Precisamos do seu voto, precisamos de si.” É bonito, valida as pessoas, uma pessoa até se sente importante. Dura cinco minutos. Depois pegamos no papelinho com as caras e coscuvilhamos.

Eu estive num café depois da passagem de uma dessas caravanas e estive a ouvir vários filhos da terra (ainda sou só adoptiva, por isso limito-me a descrever a conversa). Foi interessante: eram quatro senhores idosos, daqueles que se encontram no café – já podem, graças a Deus, a falta que isso fez a tanta gente! Quatro homens, mais ou menos gordinhos, de mãos grossas, cada um com seu café à frente e preparados para salvar o concelho a partir da sua cadeira. Um bocadito duros de ouvido, o que fez com que a conversa se espalhasse pelo ar: “Este não é o filho do X, que andou metido com a brasileira? E este não fez um desfalque não sei onde? E este tipo que nunca fez nada na vida e andou sempre no partido? Olha este quer mais um tacho! E este vai ver se consegue meter lá a mulher, que não arranja emprego em nenhum sítio”. Dei-me ao luxo de estar duas horas no café, passaram dois grupos, os comentários não foram diferentes. E depois a machadada final: “Estes não vêm o meu voto, nem lá ponho os pés…”

45 a 50 por cento de abstenção nas eleições em que os políticos estão mais próximos de cada cidadão podem explicar-se por isto. Ou não? O descrédito das instituições, o descrédito da classe política, a falta de ideais e de ideias, a falta de consciência social de quem manda (a leitura da abstenção pode ser uma das coisas mais interessantes que temos nestas eleições). Eu faço outra: não será a altura de rever os cadernos eleitorais, de confrontar a real perda de população que cada aldeia/vila do interior sente? Fazer uma limpeza? Não creio que as pessoas que concorrem a estes lugares sejam todas uma série de ladrões potenciais, de corruptos e de nepotistas. Há bastante gente decente, que quer realmente fazer coisas, ou manter as coisas como estão, porque acredita que assim é que se desenvolve a região e se ajuda a  população local. Se calhar os próprios partidos têm de pensar mesmo nos currículos das pessoas que colocam nas listas, particularmente em processos de tanta proximidade. Porque no melhor pano cai a nódoa, mas quando cai, apanha todos.

Nestas terras tão longe dos grandes centros, onde só há duas estações, nestas terras do Demo, a vida é muito difícil. Há muitos anos que é muito difícil: porque não há trabalho, ou quando há, é mal pago; porque não há empresas, ou se as há, são de pequena dimensão e vem um vento e leva-as. Porque não há pessoas e as que há são muito velhas, já tiveram uma vida muito dura e têm medo de perder o pouco que têm. Já passaram por muito. E o medo inicia o instinto de sobrevivência. E o instinto de sobrevivência é sempre o mesmo nestes sítios: não faças ondas, não faças barulho, apoia quem vence e sobretudo tenta conseguir manter o emprego. E manter tudo como está. Porque já esteve muito pior.  (Se o Dr. Salazar estiver a ver a Covilhã fica contente: nunca gostou de mudanças, nem de revoluções, nem de grandes aventuras ideológicas. Pequeninhos, limpinhos e honradinhos, a baixar a cabeça e a dizer que sim a quem manda. Ou a, simplesmente, não ir votar. Para quê? São todos iguais, vai ficar tudo na mesma…

Independentemente da cor de quem manda, pode-se pedir, se calhar, um bocadinho mais a quem se apresentou e que vai estar a governar e a quem se apresentou e vai ser oposição. Um bocadinho mais de elevação, proximidade, coragem de mudar e de lutar pelas pessoas e pela terra. Alguma coisa que justifique ir votar nas próximas eleições. Porque mais do que uma derrota nas urnas, uma abstenção de 50 por cento é uma derrota para todos os políticos. Para todos nós.

*Professora Associada- FCS- UBI

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