É uma das soluções principais apontadas pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) para melhorar a mobilidade no Interior do País: a criação de um serviço ferroviário do tipo Regional Expresso, entre a Guarda e Castelo Branco, apenas com paragens nas sedes de concelho (Belmonte, Covilhã, e Fundão, além das capitais dos dois distritos) e que eventualmente pode ser alargado, em alguns horários, a Vila Velha de Rodão. Com um horário cadenciado, com circulações de hora a hora em ambos os sentidos. Foi esta uma das medidas apresentadas na passada semana, em Lisboa, durante a conferência “Combate à pobreza da Mobilidade”, que decorreu no auditório da Ordem dos Engenheiros, em que a AMT apresentou a primeira fase do projeto-piloto de mobilidade integrada da Beira Interior, que pretende juntar numa mesma rede todos os transportes dos concelhos da Covilhã, Fundão, Belmonte, Castelo Branco e Guarda.
O projeto, que une estes municípios, procura encontrar soluções para melhorar a mobilidade em zonas de baixa densidade, onde os transportes nem sempre são suficientes nem com horários ajustados às necessidades. Segundo a presidente da AMT, Ana Paula Vitorino, a escolha dos cinco municípios é motivada porque constituem “uma bacia de mobilidade”, com “relações muito fortes entre si”. “São todos unidos pela Linha da Beira Baixa e todos têm relações muito fortes entre si, quer em termos das relações casa-trabalho, casa-escola. São movimentações pendulares, mas não só”, realça a responsável, que diz que o que se pretende é um projeto em que se utilizam todos os transportes que estão disponíveis na zona, quer o transporte ferroviário, “que serve menos gente”, mas também o transporte rodoviário, os serviços de táxis, o serviço a pedido, o transporte flexível, a mobilidade suave, planeando assim uma rede de transportes multimodal, que inclua todas estas ofertas.
Entre as principais propostas apresentadas na passada semana, surgem, entre outras, a criação de um passe único que permita o uso de diferentes tipos de transporte em todos os municípios, a criação de uma plataforma digital que permita ver toda a oferta de transportes na zona e onde as pessoas possam decidir que meios utilizar para chegar ao seu destino, e a criação de uma autoridade de transportes única.
Hugo Oliveira, diretor de regulação da AMT, salienta que em territórios como o Interior urge pensar em soluções na perspetiva intermodal, mas frisa que tem que haver união entre todos, desde o setor público ao privado, para que o projeto resulte. “É preciso acabar com as capelinhas” apelou.
Susana Baptista, diretora de supervisão da AMT, recorda que a Cova da Beira é, neste eixo, das zonas mais importantes, mas onde os níveis de frequência de qualquer transporte são baixos. Pelo que a ferrovia pode ter um papel fundamental. Com a ideia de ter comboios hora a hora, a parar apenas nas sedes de concelho, o que se quer é “aproximar aos tempos de viagem da rodovia”, embora para que as pessoas utilizem os comboios seja necessário um trabalho complementar para levar as pessoas às estações. Se em cidades como Covilhã, Fundão ou Castelo Branco, a estação está na malha urbana, e permite o acesso a pé, no caso da Guarda, ou de Belmonte, isso obriga a haver transportes públicos que levem as pessoas até lá. Daí que apele à articulação de horários entre carreiras regulares de autocarros e comboios. Susana Baptista diz ainda que o transporte flexível terá um papel “fundamental” na ligação entre as freguesias e a ferrovia. “A implementação do projeto terá que ser faseada, mas será preciso uma articulação com o Estado e com a CP (Comboios de Portugal)” alerta.
“Há poucas pessoas”
Filipa Ribeiro, vogal da CP, lembra que o papel da empresa é “ligar regiões”, mas que o comboio é um meio de transporte “mais efetivo onde há grande densidade populacional”. A responsável assegura que “a CP fará sempre parte da solução”, mas que a proposta tem que ser analisada face aos recursos existentes. “Os meios são finitos e a nossa oferta é integrada a nível nacional”, mostrando-se convicta que, apesar de tudo, haverá “condições para melhorar a oferta não só na Beira Interior, como no País”.
Já Carlos Fernandes, vice-presidente das Infraestruturas de Portugal (IP), lembra que o papel da empresa é “executar o que está planeado” pelo Estado, mas lamenta que ao longo de muitos anos “pouco se tenha investido nos comboios”. E recorda que, nos últimos tempos, a Beira Interior ganhou com “investimentos pesados” como o fim das portagens na A23 e A25, e a requalificação das linhas da Beira Baixa e Beira Alta. Agora, frisa, há “mais oportunidades e vantagens” nos transportes que, contudo, obrigam a “parcerias” entre diversos atores, desde autarquias a operadoras. No que toca à ferrovia, garante que há “espaço canal” para mais comboios, mas que é necessário “algum equilíbrio” nas soluções usadas, pois nesta região “há poucas pessoas”.
Entre outros oradores, Lídia Monteiro, vice-presidente do Turismo de Portugal, recordou que a Beira Interior tem uma vasta oferta turística em todo o seu território, que “exige que haja soluções flexíveis e integradas” que levem pessoas a todo o lado, em especial, sítios mais recônditos que hoje são a preferência de muitos.
Paula Oliveira, presidente da Associação Empresarial da Beira Baixa (AEBB), elogiou o fim das portagens na região, mas lamentou que o comboio, em muitos locais, “ainda ande numa velocidade demasiado baixa”, o que leva as pessoas a usarem mais o autocarro, que é mais poluente, mas tem maior frequência e rapidez. Por isso sugeriu que, de modo a haver mais oferta, alguns comboios de mercadorias possam passar a ser mistos, ou seja, levando mercadorias e passageiros ao mesmo tempo.
Filipe Santos, da Associação MoveBeiras, recordou a escassez de horários adequados às necessidades de população que a leve a usar mais a ferrovia, e considera que a proposta da AMT, de ter comboios hora a hora a pararem apenas nas sedes de concelho, “não contribui para a coesão territorial”.
“Beira Interior pode ser o Litoral de Madrid”
No que toca aos autarcas, todos eles pediram mais rapidez nas soluções de mobilidade para a região, considerando que o Interior foi, no que diz respeito aos transportes, o parente pobre dos sucessivos governos.
Sérgio Costa, presidente da Câmara da Guarda, afirma ser tempo de “acelerar e reparar erros históricos”, recordando a centralidade da cidade face ao Litoral, pois “estamos a 150 quilómetros usando a A25” e face a Espanha. “Temos que colocar o Interior no centro do país, e não na sua periferia. Nisso a ferrovia é fundamental, e é por isso preciso criar uma ligação rápida a Salamanca e Madrid, com as linhas da Beira Alta e Baixa a serem eixos fundamentais na aproximação de Lisboa e Porto a Espanha. A Beira Interior pode ser o Litoral de Madrid” frisa, apelando à união dos autarcas das duas comunidades intermunicipais para reivindicar mais investimento. “Quando o Interior se une e os autarcas falam a uma só voz, o Estado tem que os ouvir” salienta.
Hélio Fazendeiro, chefe de gabinete do presidente da Câmara da Covilhã, disse que a mobilidade é fator de inclusão social, que o modelo aplicado nos últimos anos não tem contribuído para a coesão territorial, dando como exemplo o seu concelho onde, em algumas aldeias, as pessoas pagam um passe mensal de 126 euros, para terem dois ou três horários diários de autocarro. “É algo inacreditável”, disse, acreditando que este projeto piloto tem pernas para andar. “Pode vir a ser um exemplo nacional. O que pedimos é que nos deem condições para contribuir para o sucesso do País” afirma.
Miguel Gavinhos, vice-presidente da Câmara do Fundão, garante que interioridade “não é sinónimo de inferioridade”, que a região é “terra de oportunidades” e que uma maior mobilidade contribui para que também o desenvolvimento regional seja maior. Por isso, critica o Governo por, recentemente, ter atribuído a duas áreas metropolitanas (Porto e Lisboa) mais de 90 milhões de euros para que os passes mensais de transporte ficassem em cerca de 40 euros, quando deu 21 milhões de euros às restantes 21 CIM’s para o mesmo efeito, o que reduziu a margem de manobra e aumentou os preços dos passes. “Assim cria-se uma desigualdade muito grande” afirma, preocupado, também, por ter gente no seu concelho que paga 130 euros por mês para duas ofertas diárias de transporte. “O Estado tem que se preocupar com isso” frisa, apesar de salientar que no Fundão já se tem trabalhado em novas soluções, como o transporte flexível.
Leopoldo Rodrigues, presidente da Câmara de Castelo Branco, acredita que na Beira Interior, quer no transporte ferroviário, quer no rodoviário, “alguma coisa poderá ser feita para serem potenciados” e pediu aos governantes igualdade de tratamento entre zonas de alta ou baixa densidade. “Temos os mesmos direitos, porque nós também pagamos impostos” salienta.
Segundo a AMT, depois desta primeira fase, agora começam a ser testadas as primeiras soluções no terreno, de modo a proporcionar às pessoas a hipótese de ir trabalhar, ao médico, às compras ou até em lazer, usando transportes públicos, abandonando-se assim um maior uso do transporte individual, onde o Interior tem uma das taxas mais elevadas de utilização.