Ana Rodrigues – o peso de uma crença

Carlos Madaleno

Ana Rodrigues nasceu na Covilhã, por volta de 1513.  Era filha de um casal de cristãos-novos, Diogo Dias e Violante Lopes. Ana haveria de casar com Heitor Antunes, seu segundo primo, mercador e, tal como ela, praticante da lei mosaica. Da Covilhã mudou-se para a Sertã e daí para Lisboa. Já com 3 filhos, Beatriz, Isabel e Violante, o casal decide tentar a sorte no Brasil, após atravessar o Oceano Atlântico na mesma nau que viajava Mem de Sá para assumir o cargo de Governador-Geral do Brasil. Desembarcaram a 28 de dezembro de 1557.  A família fixou-se na região de Matoim, no Recôncavo, a poucas léguas da capital, dedicando-se ao comércio e à produção açucareira. Heitor Antunes tornou-se próximo do governador, assumindo funções e responsabilidades administrativas, como a fiscalização de obras na vila de Salvador. A sua participação na pacificação e conquista do Recôncavo aos indígenas e na luta contra os franceses, na Baía de Guanabara, traduziu-se em recompensa fundiária e reconhecimento público.  Estranhamente, sobretudo para um cristão-novo que procuria ocultar a sua ascendência judaica, Heitor afirmava-se possuidor de um alvará que comprovava ser descendente dos Macabeus, importante família sacerdotal judaica que liderou uma revolta contra o helenismo e o domínio sírio na Judeia, no século II a.C., restituindo a liberdade aos judeus. Heitor dizia ainda ser cavaleiro d´el rei.

Ana Rodrigues e o seu marido enriqueceram nas décadas seguintes, consolidando a posição social através dos casamentos dos seus filhos e filhas com cristãos-velhos. Em 1576, Ana Rodrigues enviuvou e enterrou o marido, de acordo com a tradição judaica, em terra virgem, numa ermida própria que possuía na sua fazenda.

Em 1591, numa visitação do Santo Ofício, liderada pelo Inquisidor, Heitor Furtado de Mendonça, no Nordeste açucareiro, foram muitas as denúncias por parte de outros proprietários de terras de que a família Rodrigues Antunes ainda praticava a sua fé original, realizando cerimoniais, celebrações litúrgicas do calendário judaico tradicional, jejuns, bênçãos e orações judaicas, que possuía uma “toura” (torá), e uma “esnoga” (sinagoga) clandestina na sua propriedade em Matoim. No início de 1593, foi dada ordem a Francisco de Gouveia, Meirinho da inquisição, para que prendesse Ana Rodrigues que contava então cerca de 80 anos. A 31 de maio, desse ano, é entregue ao mestre, António Luís Fantesia, para embarcar na caravela Santiago e ser enviada para Lisboa, onde seria julgada.  Durante a viagem, “não comunicaria com (…) a gente da nau (…), onde lhe seria provido todo o mantimento.” Teria também direito a uma escrava, de nome Brízida, cativa da ré, que iria na dita câmara (…) agasalhando-a e servindo-a (…)”. No dia 2 de agosto, de 1593, dava entrada nos cárceres da Inquisição de Lisboa.  Ana Rodrigues faleceu dois meses depois, não chegando a ouvir a sentença, lida em auto de Fé, de 2 de setembro de 1600. Foi condenada a excomunhão maior, confisco de bens, que os seus ossos fossem desenterrados e retirados dos cemitérios eclesiásticos onde abjurassem sepultados e que fossem queimados e feitos em pó, a sua estátua (reprodução grosseira, em estopa) relaxada à justiça secular (para ser executada, queimada ou garrotada). Para lembrança futura, foi ainda mandada realizar uma pintura que retratava Ana Rodrigues, no Inferno, entre labaredas e demónios, a qual devia ser colocada na igreja de Matoim para servir de aviso aos merecedores do castigo reservado aos que abandonavam ou desvirtuavam o catolicismo. Esta última pintura acabaria por ser roubada, consta que a mando dos filhos de Ana Rodrigues. Ana Rodrigues é hoje lembrada como a Macabeia em terras brasileiras. Vítima da intolerância religiosa, é um símbolo de como a fé e a lei de Moisés resistiram no Novo-mundo.

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