Todos os anos, centenas, milhares de estudantes, terminam o ensino secundário, e antes de ingressarem no superior, ficam a “patinar”, com a nítida percepção da incerteza. “O que diabo vamos fazer agora?!”, perguntam-se uns, “mas que tipo de curso é a minha praia?!”, duvidam outros. É, para muitos, o Ano Zero. Aquele imediatamente antes do início do resto das suas vidas, caminhando de livros debaixo do braço, rumo à licenciatura. O Ano Zero de facto existe, de tal modo oficializado como época preparatória de acesso ao patamar acima. Na verdade, todos nós passamos pelo ano zero. No trabalho, na carreira, nas relações. Nas afirmações. Serve este conceito para de algum modo terminar aquele que terá sido o Ano Zero do jornal que dirijo. Não que estivéssemos em modo de indefinição, bem pelo contrário, antes um período de foco em novos desafios, e da criação das fundações para consolidar o projecto. E neste particular, muito sinceramente penso estarmos no bom caminho. Não sou eu que escrevo. São as pessoas que nos atestam semanalmente. Uma delas, leitora leal, gostou muito do que aqui escrevi a semana passada, não deixando, contudo, de desejar que esta crónica verse mais sobre nós, a nossa terra, esta Beira que nos une. Concordo. É disto que agora vos escrevo, pegando exactamente no contexto de Ano Zero. O próximo, ano em que assinalamos a passagem de 50 sobre o início de um percurso que nos levaria à implementação de uma democracia, e em que deveríamos a estar de facto a festejar essa consolidação, é precisamente aquele em que parecem estar criadas as condições para a promoção da autocracia. E aqui, lamento informar, estamos abaixo de zero. Todos os dias a nossa vista se ofusca pelas imagens de violência, os nossos ouvidos escutam incitamentos à guerra, e o mundo passa, como nunca, por um regime de auto-destruição galopante. E como somos pequeninos, para combater os ideólogos da tirania, os actores do populismo, e os autores das ditaduras. Eles estão no meio de nós, e que alguém, sobretudo nós, nos proteja de um retrocesso tantas vezes anunciado, de um regresso a um distante passado. Em 25 de Abril próximo, não podemos, não devemos, voltar ao racismo, à xenofobia, às bases para a criação de um regime autoritário. Devemos erguer a bandeira da liberdade, e fazer deste, com um atraso substancial, o Ano Zero da democracia. E isto é também pensarmos em nós. Na nossa terra.