Foi uma semana, aquela em que Lisboa, a romântica Lisboa descobriu “aqueles bairros“. E fê-lo através de alguma menos preparada comunicação social que também não conhecia tais regiões. Não conhecia, e continuará a não conhecer. Vivem numa redoma, no seu mundinho, curto, limitado, e como de repente os arredores da maravilhosa cidade onde moram, começaram a arder, ficaram cheios de medo que o rastilho levasse “aquele horror credo“ para a sua porta. O medo é o mesmo que terá sentido o impreparado – é a minha convicção – agente policial que disparou sobre o indivíduo em Cova da Moura. É um facto. Um agente da Polícia de Segurança Pública disparou mortalmente sobre um cidadão. E uma alegação. O cidadão terá desobedecido a uma ordem de paragem pela brigada policial, abalroado umas viaturas, e após imobilizado, reagiu com violência na posse de uma arma branca. Estaria o indivíduo armado? Fossem quais as razões, as suspeições e as condições, aquele agente sem nome não poderia ter disparado mortalmente. Os lamentáveis e condenáveis registos de violência que se seguiram naquela parte do país, foram muito ignitados pelas dúvidas que o corporativismo permitiu que se instalassem e a pressa em justificar a normalidade do incidente com base na atitude do indivíduo. O que tem acontecido com frequência em partes do país marcadas pela exclusão social, deficientes condições de vida, associadas à tomada de comportamentos desviantes, é o registo de mortes como esta, em bairros como este, de gente como aquela.
Nem é preciso puxar a fita atrás, para que percebamos como o preconceito está quase sempre na origem destas tragédias. É também por isso que as acções de gente revoltada e injustiçada descambam em violência, promovem focos de muita instabilidade social, e provocam outras vítimas. Inocentes. O que se seguiu no país, perdão, naquela parte do país, foi que políticos de formação muito deficiente e de educação quase inexistente, desataram a proferir barbaridades, sendo secundados por comentadores sem senso, capazes da emissão de certezas absolutas, de convicções profundas sobre o que de facto ocorreu naquela madrugada, num bairro periférico da cidade de Lisboa. O que vai continuar a acontecer em zonas como a Cova da Moura, Zambujal e Portela de Carnaxide, é um outro país a crescer, um imenso “pasto ” para a desumanização, desigualdade, injustiça e exclusão. Porque é dessa forma que politica e polícia continuarão a olhar para aqueles bairros.