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As geringonças

"Os operários fabris hão-de voltar ao almoço de marmita, mesmo sabendo que ao longo da evolução do século XX, se criaram outras forças disparatadas, muitas vezes sem nexo, para "alimentar" a sociedade”

 

No filme de Chaplin, o objectivo é a produção em massa, trabalhadores dispostos em linha de montagem, com o tempo racionalizado, e explorados ao ponto da criação de uma máquina que lhes faça engolir o almoço, e do mesmo modo “engolido” pelo sistema. O operário, cobaia do desenvolvimento capitalista, é usado para testes do novo aparelho, mas o evento é um fracasso total, e a solução rejeitada, porque a cena revela a desintegração total da geringonça, não sem antes provocar sérios danos, físicos e mentais no trabalhador, que vê a sua dignidade posta em causa, transformado num mero meio de chegada ao lucro. A engenhoca de construção complexa testada em “Tempos Modernos” falha redondamente e o promotor da tentativa de mudança na fábrica cai em descrédito. Ora desconfiança, é precisamente o que este tipo de caranguejolas com deficiências de fabrico, construção improvisada, de solidez periclitante, promovem.

O desgraçado, escolhido não de forma aleatória, escolhido sim pelo ar desleixado, reles, pronto para ser “pisado”, disponível para ser tratado como uma peça da engrenagem, é uma personagem criada por Chaplin, tantas vezes interpretada, e neste filme extremada. O autor, uma das mais marcantes figuras da história do cinema, faz um retrato de uma sociedade cruel, opressiva, competitiva e desumana, incapaz de um “pingo” de compaixão, criada para dar como certas, a desigualdade social e a exploração humana. Como se atesta na cena em que através da força se pretende colocar o operário a alimentar-se, fica patente que é o próprio, aqui apresentado como vagabundo, que ao rejeitar o alimento, coloca “areia” na engrenagem e provoca a avaria decisiva na geringonça. Os operários fabris hão-de voltar ao almoço de marmita, mesmo sabendo que ao longo da evolução do século XX, se criaram outras forças disparatadas, muitas vezes sem nexo, para “alimentar” a sociedade.

A obra-prima do cinema revela o homem ao serviço da máquina, e a sua negação ao aparelho produtivo. Almoçar e apertar parafusos, actividade alienante e cansativa, acaba por conduzir o trabalhador ao esgotamento nervoso, e ao internamento hospitalar. De doente psiquiátrico a inocente rebelde, a personagem transporta-nos ao longo dos dramas dos primeiros anos da revolução industrial na América. Quase um século depois, na Europa XXI, continuamos a almoçar de marmita enquanto esperamos que as máquinas dos nossos tempos, as geringonças que estamos a criar, nos digam, a nós “vagabundos-operários”, o que devemos e podemos fazer.

 

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