André Leitão
Médico
As espécies invasoras são uma das mais sérias ameaças actuais aos ecossistemas. À boleia da globalização que o planeta sofreu nos últimos séculos, espécies animais e vegetais atravessaram mares e foram introduzidas em novos ambientes, onde condições propícias e ausência de concorrentes ou predadores lhes permitiram um rápido crescimento. Tão rápido que monopolizam os nutrientes existentes e multiplicam-se, dominando lugares anteriormente pertencentes a espécies autóctones (usualmente após uma perturbação do ecossistema) e destruindo a biodiversidade. E diversidade é habitualmente sinónimo de riqueza, seja na natureza, na sociedade, ou nas formas de pensar.
A espécie escolhida para ilustrar esta crónica não é, ainda, das mais disseminadas na cova da beira, ao contrário de plantas como as acácias, os espanta-lobos e as canas, ou animais como a vespa asiática, que têm vindo a ocupar áreas crescentes. Destacam-se as acácias (mimosas, ou espécies aparentadas), dominando áreas baixas das nossas serras tantas vezes ardidas, ocupando extensos tapetes onde mais nenhuma espécie medra. E nada é feito para as conter.
Mas porquê falar então da erva-das-pampas (nome vulgar da Cortaderia selloana), essa espécie originária da América do Sul, introduzida nos nosso jardins pelas suas vistosas plumas? Não é apenas pelo seu potencial de causar alergias humanas no seu período de floração (no Outono). É principalmente por esta planta não estar ainda tão espalhada na nossa região como noutras áreas mais litorais do país, particularmente no norte, onde as suas sementes levadas pelo vento causaram uma enorme dispersão da espécie, que dificilmente será erradicável. Cá, por existirem menos exemplares, seria possível a sua remoção e tentativa de controlo, antes que seja demasiado tarde. Tal qual como na Medicina, em que os tratamentos são por norma mais eficazes quando um problema de saúde está no início, e não quando já está cronificado, disseminado.
Temos até legislação neste sentido, com o decreto-lei 92 de 2019 a proibir a venda e plantação de uma longa lista de espécies invasoras, onde se inclui a Cortaderia selloana, e dando aos proprietários das plantas um prazo de 6 meses para a sua remoção. Face à presença da erva-das-pampas em vários espaços ajardinados da cidade, contactei por e-mail em 2020 a Águas da Covilhã (ADC), entidade responsável pela gestão dos mesmos, alertando para a perigosidade da espécie, e do incumprimento da lei em que se encontravam. Responderam-me agradecendo o aviso, e informando que a espécie seria removida, paulatinamente… O uso do peculiar advérbio de modo deixou transparecer a frouxa intenção de realmente fazer o que era necessário. Mas esperei para ver. E, por nenhuma acção ver, até novo e-mail enviei no ano seguinte, tendo já o silêncio como resposta. E hoje, mais de 4 anos decorridos, as plantas continuam presentes em vários dos nossos espaços públicos municipais, sem remoção apreciável.
Até em espaços verdes intervencionados, como o pequeno troço ilustrado da foto, localizado junto à estrada M506 recentemente remodelada (perto da rotunda do Intermarché), se conseguiu um feito notável. Arrasaram-se, para dar lugar ao passeio, uns grandes blocos graníticos recobertos de carvalho-negral, uma imagem remanescente da cobertura natural destas encostas, já rara no espaço urbano. Mas mantiveram-se intocados os dois exemplares existentes, da exótica erva-das-pampas. Seriam as suas raízes mais resistentes que o granito?
Demasiado enraizados continuam os hábitos nacionais de empurrar com a barriga, de deixar andar o que dá demasiado trabalho. De não agir preventivamente, mas apenas se der bronca. De não cumprir leis bem pensadas, mas não aplicadas nem fiscalizadas. De discursos eloquentes, aos quais poucos actos se seguem.
Palavras, leva-as o vento. Tal como às sementes invasoras, espalhando-se por aí. Paulatinamente.