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Beira Interior à espera de 23 milhões de litros de vinho de boa qualidade

Os produtores de vinho asseguram que, após um ano fora do normal devido à seca extrema, as condições climáticas garantem agora vinhos de boa qualidade, contando com aumento na produção. A sul da Beira Interior, as vindimas já começaram, mais cedo que o habitual

A sul da Beira Interior, as vindimas já começaram. A Adega do Fundão, a Quinta dos Termos e a Quinta da Lousa preparam os próximos vinhos, fruto das uvas deste ano.

“A qualidade da uva está muito interessante, tanto a nível de cor e graduação, está dentro das nossas expectativas. A nível de boca também estão muito interessantes”, caracteriza Ricardo Botelheiro, enólogo da Adega do Fundão.  “Em geral, as uvas vêm sãs, portanto maioritariamente vêm com boa qualidade”, explica o perito. Apesar de estarem de boa saúde, Ricardo Botelheiro alerta para o aparecimento de pragas que podem prejudicar o estado das vinhas: “O que se começa a verificar cada vez mais aqui na zona da Gardunha Norte, do Fundão até à Covilhã e Belmonte, é o aparecimento de sintomas de cicadela, que está a crescer e é necessário fazer o tratamento para tal”.

Já Pedro Carvalho explica que a maior preocupação vivida, tanto na Quinta dos Termos, como na Quinta da Lousa, foi relativa ao clima. “Houve esta preocupação que se iria passar por uma secura precoce e iria ser um ano terrível”, mas, segundo o enólogo, as duas semanas de chuva que ocorreram em junho ajudaram.  “Como tivemos chuva, muita chuva no final da primavera, conseguimos manter as folhas verdes. Ora, se temos maior número de folhas verdes a fazer fotossíntese, conseguimos uma melhor alimentação do cacho e um efeito grande disso que tem a ver com a acidez. Este ano, temos uvas com mais acidez do que é habitual”, explica Pedro Carvalho.

Segundo o responsável da Quinta dos Termos, se as uvas continuarem a apresentar um sabor mais ácido até ao fim das vindimas, “provavelmente este é um ano em que se conseguirão fazer vinhos com maior potencial de guarda”. Pedro Carvalho admite ser a maior expectativa que a equipa tem para este ano. “Essa é a nossa principal expectativa relativamente à produção deste ano. É ser um ano produtivo e com qualidade”, afirma.

“Estamos à espera de um ano muito bom”

Rodolfo Queirós, presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior, explica que haverá um aumento da produção em relação ao ano anterior. “Estamos à espera de cerca de 23 milhões de litros de vinho aqui na região, com um aumento de 15% relativamente ao ano anterior”, em que houve uma quebra a rondar a mesma percentagem, devido à seca extrema. “Em termos qualitativos, estamos à espera de um ano muito bom, uma vez que as uvas estão muito sãs, não tiveram grandes problemas, como doenças ou míldios. Nós temos aqui um clima mais seco e então não é propício às doenças da vinha e ainda bem”, esclarece o presidente.

“Nós acreditamos, como acontece em todo o país, que vamos ter um aumento de produção, na casa dos 10 a 15%”, confirma Ricardo Botelheiro da Adega do Fundão.

Pedro Carvalho não dá números, mas também assegura o aumento esperado. “Em ambas as quintas [dos Termos e da Lousa], é um ano em que existe mais produção do que num ano médio. Tendo em conta os últimos anos, é um ano produtivo”, garante.

Mais a norte da Beira Interior, em Pinhel e Figueira de Castelo Rodrigo, as vindimas começam mais tarde, devido às uvas estarem a maior altitude e amadurecerem mais tarde.  A Adega de Pinhel irá começar as suas vindimas no dia 12 de setembro, e a Adega de Figueira de Castelo Rodrigo planeia começar no dia 15.

Agostinho Monteiro, presidente da Adega de Pinhel, prevê cerca de 17 milhões de quilos de uvas a entrarem pelas portas da cooperativa. “Em termos qualitativos, as expectativas são bastante altas, visto que o processo de maturação está a decorrer de uma forma muito positiva, as uvas estão com um estado sanitário excelente e as nossas expectativas é que será, de facto, um dos melhores anos do vinho de Pinhel”, garante.

Pelo contrário, o presidente da Adega de Figueira de Castelo Rodrigo, António Madeira, admite que este ano está um pouco abaixo das expectativas. “Pelo que nos dá a sensação, é que pode existir um aumento de produção na casa dos 7%, mais ou menos, de uva. No total rondará os quatro milhões e meio de quilos, previsivelmente. Em comparação ao ano passado, que foi mais fraco, este tem algo mais. O normal seria cerca de seis milhões e meio, sete. Portanto, está um pouco abaixo do expectável”, afirma. Apesar disso, o enólogo garante que será um ano “com bastante qualidade”.

O problema da falta de água

Segundo António Madeira, a falta de água é a principal razão para a quebra do número de uvas. “A falta de água faz com que haja menos uvas. Ainda não houve reposição de água no solo e como as nossas vinhas são convencionais, são sustentáveis, não temos sistemas com rega, temos um pouco mais de dificuldade a tirar daí quantidade”, começa por dizer.

O enólogo considera que as mudanças ambientais têm afetado a produção de uva. “Acho que há alguma diminuição na cultura vitivinícola por consequência das alterações climáticas”, explica. “Haverá sempre uma necessidade de aproveitar a água que corre direta dos rios para o mar e que nós não estamos a saber canalizar para mais tarde aproveitar, não só na vitivinicultura, como no olival, no amendoal e nas restantes áreas de fruto”, esclarece.

Segundo o responsável figueirense, “cada um deveria pedir para o setor o que mais falta faz, de forma a que se conseguisse harmonizar, num futuro próximo, essa necessidade e que se conseguisse transportar, depois, para a produção, face às necessidades que temos em termos de água. Porque o nosso problema não é o solo, não é o calor a mais. O nosso problema é a falta de água”, realça o enólogo de Figueira de Castelo Rodrigo.

Sobre o assunto, Ricardo Botelheiro, da Adega do Fundão, concorda que haja influência da nova realidade climática nas vinhas. “Cada vez tem de se ter mais cuidado na escolha das castas e na escolha do porte a encher para o associado, neste caso, estar preparado para períodos grandes de seca. Portanto, essa escolha é fundamental para que as uvas sintam ao mínimo essa dificuldade. Em Portugal, o que tem de se fazer é relativo à questão da água. É ter a certeza de que há água para todos aqueles associados que queiram regar as vinhas”, explica.

Pedro Carvalho, da Quinta dos Termos, adiciona que “o problema que temos é a instabilidade climática” e explica que “as estações já não estão tão bem definidas e a videira gosta das estações muito bem definidas”.

O enólogo aponta medidas que podem ser tomadas: “Há duas coisas que podemos fazer. Uma tem a ver com a nutrição dos solos. É como nós: uma videira bem nutrida tem mais defesas naturais”. Se não for suficiente, o enólogo explica que são aplicados antitranspirantes na planta. Segundo Pedro, são compostos por caulino e servem para refletir a luz do sol. “É como se fosse protetor solar nas pessoas”, esclarece.  Pedro Carvalho considera que “o Estado tem prestado muita atenção e bem, à comercialização de vinhos. Mas, depois, não dedica muita atenção à parte de produção”.

“Uma coisa que deveria ser mais bem pensada e neste caso uma forma de lidar com este calor é a rega. Nós aqui temos o regadio da Cova da Beira, quem está abrangido por ele, consegue gerir mais ou menos as suas produções. Agora na zona de Castelo Branco [onde se situa a Quinta da Lousa] não existe regadio, aí tem que ser com charcas que obedecem a regras brutais”, conta Pedro.  “Se houvesse uma coisa mais centralizada e onde todos participássemos, conseguíamos ter aqui um grande ganho de economias de escalas. Sobretudo para esta parte da água, que é um grande problema”, considera. “Aqui, além do regadio, que tem uma limitação geográfica, nunca houve nenhum grande investimento e deveria haver. Porque ficamos com as terras secas e só servem para painéis solares”, ironiza o enólogo da Quinta dos Termos.

“Há 20 anos era impensável vindimar-se em agosto”

Já Rodolfo Queirós, da Comissão Vitivinícola Regional, aconselha os produtores a “não fazer desfolhas muito agressivas, colocar castas que sejam mais resistentes a este aumento generalizado das temperaturas e adaptar a data da vindima ao ciclo da própria variedade de castas que estamos a colher”.  E não ignora a influência das alterações climáticas: “Há 20 anos, era impensável vindimar-se em agosto aqui na Beira Interior e agora vindima-se, é um facto. As alterações climáticas estão aí e eu lembro-me perfeitamente que em setembro, antes chovia sempre muito mais e era mais frio. Temos que nos adaptar”, explica.

Agostinho Madeira considera que a zona de Pinhel tem sido beneficiada com as mudanças do clima. “Nós somos a última região e a última cooperativa a vindimar, o que implicava que a nossa vindima decorresse já num período muito difícil. Começávamos no fim de setembro e tínhamos de fazer até quase ao fim de outubro e isso era muitas vezes problemático, porque apanhávamos muitos dias com muito frio e muita chuva. Nesse aspeto, as alterações climatéricas aqui em Pinhel, posso afirmar, que contribuíram positivamente para a melhoria da qualidade dos nossos vinhos”, afirma.

A falta de mão de obra

“Nós, as adegas cooperativas, temos muito poucos meios para intervir diretamente junto da produção”, diz Agostinho Monteiro, presidente da Adega de Pinhel. “Os nossos meios são formativos e informativos. Vamos dando informações que entendemos corretas em relação à forma como as pessoas devem tratar a vinha para que, no final do processo, consigamos minimizar os impactos [das alterações climáticas na vinha]”, informa.

Agostinho conta que existem produtores que já optam pela introdução de outros equipamentos nas suas vinhas. “Alguns já optaram por regar a vinha. Já temos, se calhar, 10% da nossa vinha que já tem rega, o que melhora. Por outro lado, também já há agricultores que, em vez de terem vinhas com as varas muito cortadas e pequenas, deixam um pouco – aquilo que nós chamamos ‘a vinha em bardo’ – onde a vara da videira cai e protege e uva do sol”, explica.

“Vamos tentando sensibilizar os agricultores para os instrumentos que eles têm à sua disposição no sentido de proteger a uva, nomeadamente no mês de agosto, do excesso de calor. E também que tenham em atenção a criação de condições para uma boa maturação”, conta o presidente.

Rodolfo Queirós, da Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior, repara que ‘passar a informação’ “é um trabalho dos produtores e também de algumas associações que temos aqui a região, que nos ajudam a dar esse conhecimento técnico aos nossos viticultores”, adianta. O presidente da Comissão Vitivinícola chama a atenção para a falta de mão de obra. “Neste momento, um dos principais problemas que temos aqui na região é a falta de mão de obra. Daí que, muitos dos nossos produtores já façam a vindima recorrendo a máquinas. Há 20 anos, não havia cá uma máquina a vindimar na região e hoje já há, talvez umas 15”, sublinha.

Rodolfo relembra que a falta de trabalhadores não se faz sentir apenas na vinha, mas diz que é “genérico”. “Como nós sabemos, o problema não é só na agricultura. É transversal, eu diria, a todos os setores”, opina.

O presidente da Adega de Figueira de Castelo Rodrigo, António Madeira, considera que o problema central está “na falta de vontade do poder político, seja ele central ou local”.  “Porque as ajudas da comunidade europeia para o setor existem, as ajudas para poder criar mecanismos que possam armazenar água, para serem utilizados produtos nos tempos mais secos, também existem”, explica. O responsável vai mais longe na sua explicação: “Os agricultores por si, sozinhos, não conseguem ter força junto da comunidade europeia para se fazerem notar. No entanto, acho que, os poderes políticos, central e local, deviam conjugar os esforços no sentido de conseguirem encontrar essas soluções de acordo com as capacidades e as necessidades de cada tipo de cultura e de cada tipo de região”, afirma.

“Sejam cooperativas, confederações ou associações. Elas não têm tido um entendimento à altura para poderem fazer face àquilo que são as necessidades. Ou seja, não conseguem transmitir ao Ministério da Agricultura, neste caso, o que é necessário.”

Apesar de tudo, os produtores mantêm-se otimistas. “A paisagem da vinha em Pinhel está ainda verde, o que significa que as uvas ainda estão a produzir açúcar e a trabalhar”, revela o presidente da Adega de Pinhel.

Ricardo Botelheiro, da Adega do Fundão, diz que estão satisfeitos com o que têm recebido e visto na vinha. “Acreditamos que será um ano muito bom a nível de qualidade de vinho”, acrescenta.

Da Quinta dos Termos e da Quinta da Lousa, Pedro Carvalho acredita que “será um ano bastante positivo, sobretudo para os vinhos tintos e para as castas mais tardias, que normalmente até são castas mais nobres”.  Segundo o enólogo, este ano, as castas estão a dar boas indicações e vão conseguir fazer a sua atividade mais complexa até ao final. “É capaz de ser um excelente ano”, adianta.

Segundo Rodolfo Queirós, é necessário adaptarem-se às circunstâncias e é isso que têm tentado fazer, “sempre com o intuito de produzir boas uvas, porque de boas uvas é que se tiram vinhos excecionais”.  Queirós também chama a atenção para a promoção que tem ocorrido dos vinhos da Beira Interior, tanto nacional como internacionalmente e que, segundo ele, “têm tido cada vez mais aceitação”.

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