Pedro Castaño
O Zeca viveu 57 anos. Como se pode ser tanto em tão pouco tempo!
O Zeca foi mais do que a voz de um país: foi a voz de um mundo. Poeta, pedagogo, compositor e homem de liberdade, fez da canção uma arte.
Em 57 anos pode caber um país inteiro. Mas na voz do Zeca coube o mundo todo. Mas também foi um país, uma língua, um povo e a ideia de liberdade.
Cantor, agitador de consciências e mestre de subtilezas. A sua obra não cabe no rótulo de “música de intervenção”: é literatura, é etnografia, é música maior.
Muitas das suas letras são um mundo inteiro: Epígrafe para a Arte de Furtar; Era um Redondo Vocábulo, Cantiga do Monte, A formiga no carreiro, A Morte saiu à rua, Cantar Alentejano, Venham Mais Cinco, O Comboio Descendente, Papuça, A Menina dos Olhos Tristes, Camões e o Descobrimento , Enquanto Há Força, Ronda das Mafarricas, Canção do Desterro, Fura fura, Maria Faia…. e todas! Utopia é, como diz Vitorino, o seu manifesto, o seu testamento.
A sua universalidade também está na sua música. Fado de Coimbra, Cante, Balada, Batuque, Coral e Jazz. Ninguém antes dele ousara tanto. Fusão que não é moda — é convicção, modo de vida.
A liberdade começou na sua música antes de ser conquista política. Foram a sua genialidade e crença que fizeram dele um agregador e impulsionador de criadores excecionais com quem construiu alquimias perfeitas que mudaram a música portuguesa. Cada produtor, cada músico, foi parte de uma constelação do mundo do Zeca.
E a revolução — essa — também se fez em estúdio. Cantou a ternura, a juventude, a esperança e o homem novo. A sua música não grita — encanta, convence, desperta. É liberdade difundida pela beleza. Uma liberdade que dá atenção à terra e às pessoas.
Um eco continua.
Dos Trovante aos Gaiteiros de Lisboa, de Camané a Ana Moura, de António Zambujo a Teresa Salgueiro, dos já clássicos, aos mais novos talentos — cada nova voz prova que o Zeca não pertence ao passado, mas ao ADN sonoro de Portugal. As suas canções reinventam-se, e com elas reinventa-se o mundo.
José Afonso é a prova de que a canção pode ser arte maior. Um criador que fez da palavra música e da música pensamento. Um homem que transformou o povo em poesia, e a poesia em liberdade.
Cabe tanto mundo em 57 anos.
Nós tivemos a sorte de o ouvir nascer,
As gerações vindouras terão o Zeca por ele próprio e pelos seus recriadores.
Obrigado, Zeca.

