“Receio é que se perca o alvará. E que depois não se consiga recuperar, para ter uma nova rádio”. O presidente da Câmara de Belmonte, António Dias Rocha, lamentou na passada quinta-feira, 17, o eventual fim da Rádio Caria, por via da insolvência que foi decretada à associação que a gere, mas recordou que a autarquia não pode, legalmente, subsidiar a mesma.
A Associação Cultural e Recreativa de Caria (ACRC), detentora do alvará da Rádio Caria, foi declarada insolvente pelo Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, depois de uma ação interposta pelos dois ex-funcionários da mesma, que rescindiram contratos por justa causa, alegando dívidas da empregadora. Os créditos, em conjunto, serão na ordem dos 51 mil euros, e o tribunal deu como provados “factos da existência de créditos laborais de cada um deles”. O tribunal fixou um prazo de 30 dias para a reclamação de créditos e o relatório final é apresentado no próximo dia 30 de abril, às 11 horas.
O tema foi objeto de análise durante a reunião pública do executivo belmontense. O presidente da autarquia, António Dias Rocha, lembrou que a Câmara, entre 2022 e 2024, fez contratos na ordem dos 45 mil euros, através de protocolos para prestação de serviços, com a ACRC, mas recorda que, “legalmente, as câmaras não podem subsidiar” as rádios, apenas podendo “comprar publicidade”, que era o que existia até essa data. Na quinta-feira, o executivo recusou, por unanimidade, protocolar cerca de 51 mil euros, a cinco anos, para prestação de serviços por parte da Televisão do Centro (TVC- Televisão), da qual o presidente da ACRC e diretor da Rádio Caria, Nuno Soares, é também diretor e sócio. “Diz que temos obrigação de apoiar. Acusa-me de estar a fazer com que a rádio acabe, mas legalmente não podemos fazer este tipo de contrato. A mim, o que me tira o sono é o concelho ficar sem rádio” afirma. Ao NC, Dias Rocha reforçou que o gabinete jurídico da Câmara considerou que o protocolo não tinha “fundamento legal”. “Acho que as pessoas que estão ligadas à Rádio Caria são as mesmas pessoas que estão ligadas à Televisão do Centro” disse o autarca, sobre a relação entre as duas entidades. Sobre a insolvência da ACRC, o que preocupa o autarca é “o que podemos fazer para encontrar uma solução para que a rádio continue a funcionar, porque faz falta. Nós não temos culpa da insolvência” salienta.
O vereador da CDU, Carlos Afonso, concorda com a posição assumida por Dias Rocha, mas salienta que não se pode alhear da crise da rádio a anterior direção da ACRC. Já a atual, quando assumiu a estação, em abril de 2024, “não cumpriu com os trabalhadores, fechou as instalações no edifício da junta e a rádio passou a ser feita numa casa particular”. Carlos Afonso mostrou-se sobretudo preocupado “com a frequência, que é uma mais-valia para o concelho”.
Presente na sala, o ex-funcionário Sérgio Gomes, um dos que entrou com a ação em tribunal, disse não ficar contente com o desfecho que eventualmente se venha a confirmar. “Queria ter recebido os ordenados e ter continuado a trabalhar” garante. Gomes lembrou que muito cedo alertou para a situação da empresa, acusou a anterior direção de ter vedado aos dois funcionários a discussão de soluções para viabilização da estação. Com os novos órgãos sociais, face aos ordenados por liquidar, cumprido o prazo legal para alegar justa causa, esse foi, segundo o ex-funcionário, um caminho inevitável.
Luís António Almeida, chefe de gabinete de Dias Rocha, e anterior presidente da direção da ACRC, recorda que foi fundador da mesma, estando cerca de 40 anos lá. “Todos os outros, que ainda são vivos, foram embora. Eu mantive-me. Se calhar devia ter ido há mais tempo e já tinha fechado mais cedo” frisa. Recordou Sérgio Gomes de que este não era apenas um funcionário, mas também um “braço direito da direção nas questões administrativas”, gerindo a parte comercial, que correu sempre bem até à pandemia. “Sabia tudo o que se estava a passar. Tínhamos uma despesa mensal superior a três mil euros, e receita de pouco mais de mil. Um défice de quase dois mil euros por mês que não se poderia manter. Quando vinha o dinheiro, pagávamos aos funcionários. Depois da pandemia, muito pior, muitas rádios fecharam. As que se mantiveram foi com dificuldades e a Rádio Caria não fugiu a essa situação. As publicidades baixaram, e eram o sustento” afirma. Garante que tanto a ele, como à restante direção, quando surgiu alguém interessado em viabilizar o projeto, que tinha na altura uma dívida na ordem dos 20 mil euros, lhes pareceu que era “a única maneira de manter a rádio em funcionamento. Ter alguém com experiência profissional à frente dela. Fizemos isso de boa fé porque vimos uma pessoa que sabia de rádio e que tem meios” assegura.
Recorde-se que há cerca de um mês, ao NC, o presidente da ACRC, Nuno Soares, garantia que estava a reunir “todos os esforços para salvar a estação”. E anunciava ter reunido com a Câmara de Belmonte, mostrando-se esperançado em garantir uma solução que preservasse uma estação que “há décadas dá voz à comunidade e desempenha um papel essencial na informação e na cultura local.”