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Carta aberta

André Morais

(Técnico Superior de Proteção Civil)

Exmos senhores primeiro-Ministro, Ministra da Administração Interna e Secretário de Estado da Proteção Civil, nos últimos anos temos assistido a um esforço crescente para responder de forma rápida e eficaz a emergências e catástrofes. No entanto, esta abordagem continua a centrar-se quase exclusivamente na reação a incidentes/ocorrências, sem a devida atenção ao trabalho de prevenção, planeamento e mitigação. Com o Governo atual a assumir recentemente as suas funções, é importante refletir sobre o que tem sido feito até agora e, acima de tudo, o que ainda falta fazer. Independentemente do tempo que este executivo está em funções, a proteção civil é um tema recorrente que, ano após ano, enfrenta os mesmos desafios. Chegou o momento de dizer basta. Basta de focar quase exclusivamente na resposta reativa. É hora de mudar o paradigma da nossa política de proteção civil.

Portugal é uma nação com um vasto leque de especialistas, técnicos e profissionais com conhecimento, experiência e know-how na área da proteção civil. Somos um País que tem capacidade para enfrentar os desafios impostos pelas emergências e catástrofes que nos afetam de forma cada vez mais frequente. No entanto, essa capacidade só será plenamente aproveitada se forem colocadas as pessoas certas nos lugares certos, e se forem disponibilizados meios e recursos adequados nas áreas que mais necessitam. É fundamental que se comece pela base, pelas autarquias locais e freguesias, em vez de centralizar os investimentos nos níveis distrital e nacional.

Um dos pilares centrais da proteção civil deve ser o fortalecimento e a capacitação dos Serviços Municipais de Proteção Civil. Estes serviços têm um papel fundamental, não só no apoio na resposta a emergências, mas também na prevenção, planeamento e mitigação de riscos.

A legislação já existe e reconhece a importância destas entidades, mas o que falta é um investimento real e duradouro na sua implementação e operacionalização. É imperativo que cada município tenha uma estrutura de proteção civil robusta e eficiente, que funcione ao longo do ano, analisando e planeando ações para todos os riscos do seu território. Esta ação contínua permite que, em emergências, a resposta seja coordenada e eficaz, em vez de meramente reativa e desorganizada. No entanto, para que isso seja uma realidade, é necessário que o Governo olhe para as autarquias como um pilar essencial da proteção civil e não apenas como meros executores de decisões tomadas a níveis superiores.

Um País verdadeiramente preparado é um país que valoriza a cultura de risco e a prevenção. Este é um dos aspetos mais críticos que ainda precisa de ser implementado em Portugal. Proponho a criação de uma disciplina escolar, desde o primeiro ciclo até ao ensino secundário, focada na proteção civil e gestão de riscos. Esta formação, adaptada a cada nível de ensino, permitirá que as gerações futuras cresçam com uma maior consciência e preparação para os riscos que o País enfrenta.  A sensibilização pública deve ser um esforço contínuo, e as autarquias locais são as mais bem colocadas para liderar estas iniciativas.

Outro ponto crucial que merece ser abordado é a separação clara entre proteção civil e bombeiros.  Embora os bombeiros sejam indiscutivelmente uma das forças mais importantes no combate a incêndios e emergências, a proteção civil vai além da mera resposta operacional. É necessário que o Governo compreenda esta distinção e invista na profissionalização e capacitação técnica dos bombeiros, enquanto promove simultaneamente o fortalecimento das estruturas de proteção civil a nível local. Os bombeiros devem ser profissionais com formação contínua, meios adequados e recursos tecnológicos que lhes permitam desempenhar o seu papel com excelência.

Adicionalmente, é essencial que os decisores políticos compreendam a importância da ativação dos planos municipais de proteção civil. Estes planos não são apenas um documento técnico, são uma ferramenta fundamental para assegurar uma resposta coordenada e eficaz em momentos de crise.

Por fim, uma das maiores mudanças necessárias na política de proteção civil em Portugal é a importância de ouvir os técnicos e especialistas na área. Existem em Portugal inúmeros profissionais com vasto conhecimento e experiência, com uma compreensão profunda dos desafios que o País enfrenta e capacitados para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e resposta. Ignorar este conhecimento técnico em prol de decisões meramente políticas não só é ineficaz como coloca em risco a segurança das populações.

Concluindo, o apelo que faço ao Governo é simples: é necessária uma mudança de paradigma. A proteção civil não pode continuar a ser vista como uma área secundária ou acessória. É uma prioridade nacional, e é nas autarquias locais que essa prioridade deve começar a ser implementada. O caminho passa por investir nas pessoas com conhecimento científico e técnico, capacitar os serviços municipais, criar uma cultura de risco a longo prazo e garantir que os recursos estão adequadamente distribuídos.  Chegou a hora de mostrar que pode ser diferente e deve ser diferente.  Cesse-se em focar apenas na reação.

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