Luna Sanda
(Colectivo Venham +5)
O meu nome é Luna Pires Sanda, filha de Khin Maung Sanda e Josefina Pires. Nasci em Burma, agora Myanmar, onde os meus pais se conheceram nos anos 90. Após o golpe de estado em 2021, enquanto a pandemia assolava o planeta, fugimos para Portugal, para João Antão, uma das freguesias menos populosas do concelho da Guarda, onde vivem os meus avós. Apesar de aposentados, mantém uma vida activa no campo, têm uma horta farta, três cabras com que fazemos queijo maravilhoso, uma dúzia de galinhas que nos dão ovos às dúzias, umas poucas de oliveiras com que produzimos o nosso azeite e várias árvores de fruta. Temos um dia a dia incontornavelmente rural.
Formei-me nas Belas Artes do Porto e após 10 anos de carreira em metrópoles internacionais, regressei a João Antão, onde tenho o meu atelier. Aqui tenho uma qualidade de vida extraordinária, tenho acesso a alimentos saudáveis, tenho tempo para o trabalho, tenho tempo para mim e tenho tempo para a minha família. Aqui a vida é mais lenta e ainda bem. Vou fazer compras de bicicleta eléctrica e estou a duas horas do Porto, a quatro de Lisboa e a cinco de Madrid em transportes públicos.
É com tristeza que vejo partir a população idosa e a população jovem, uns desta para melhor e outras/os não se sabe muito bem, pois não se sabe o que as/os esperam na cidade. É com tristeza que assisto à indiferença dos poderes local e central à criação de condições, que permitam e atraiam jovens e não só, a fixarem-se no tecido rural interior. Acredito profundamente na soberania alimentar e na relação directa entre produtor e consumidor final, onde ambas as partes são beneficiadas, um verdadeiro exemplo de mutualismo socioeconómico. Para fomentarmos estas relações, devemos apostar na revitalização do
sector primário. Atentamos ao seu nome, primário, segundo o dicionário e o senso comum, comumente esquecidos e desvalorizados, que está primeiro, que é de primeira
importância, fundamental.
É evidentemente necessário reinventar os modelos de produção para permitir que a agricultura de pequena escala possa florescer e proporcionar dividendos suficientes às/aos
agricultoras/es e proporcionar-lhes uma vida desafogada. Esta reinvenção passará obrigatoriamente pela reflexão dos subsídios de produção e sua avaliação séria, mas também e principalmente pela sensibilização das populações locais para a compra directa
às/aos produtoras/es, isto é, uma aposta assertiva e profunda na cultura rural em detrimento da cultura de consumo e dependência das grandes superfícies comerciais alimentares (as quais deveriam rever urgentemente a relação salarial com a sua força laboral, e continuando um pouco estes parênteses, não estará na hora da sociedade civil questionar consciente e veementemente o neoliberalismo vigente? O estado representa o poder do povo, o poder público e suas instituições poderão ser as únicas a conseguir defender os interesses do povo.
Como defender esses interesses se a participação do estado na economia é cada vez menor, acompanhada da privatização das empresas estatais? Também é óbvio que urgem reformas nas administrações central e local, de modo a obtermos padrões de transparência política e cívica inquestionáveis, onde a fraude e o crime perante bens públicos são devida e severamente punidos, o que implica reformas urgentes na esfera da justiça – todas estas reformas equivalem a uma nova revolução, a um trabalho profundo mas extremamente
necessário que apenas será conseguido através de uma aposta metódica e intransigente na educação e na cultura, ambas laicas e cívicas).
As quartas e os sábados são os dias de mercado municipal, mas acredito que num futuro próximo, todos os dias da semana o possam ser, em que as/os Mondegueiras/os nos presenteiam com os seus produtos frescos. Esse futuro depende apenas de nós, das nossas vontades, das nossas reivindicações, da nossa proatividade, da força do manifesto da nossa massa crítica e da nossa intervenção cívica na sociedade.
O meu nome é Luna Pires Sanda, sou uma artista rural oriental. Tenho uma vida lenta porque assim o decidi. Tenho uma vida rural porque assim o decidi. É um prazer e uma honra ter uma qualidade de vida altíssima, em meio rural, porque não estou orgulhosamente só, pelo contrário.