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Covilhã teve 510 presos políticos

Levantamento é provisório e inferior ao número real

No concelho da Covilhã há registo de 510 presos por motivos políticos durante os 48 anos de ditadura em Portugal. Um número provisório e abaixo da realidade, tendo em conta que muitos não têm processo e, à medida que a investigação prosseguir, se espera encontrar mais nomes.

Este é o resultado do levantamento feito por Casimiro Santos e António Rodrigues Assunção, ambos professores de História aposentados, que tiveram como base as ordens de serviço da PIDE e as fichas dos presos. O trabalho está vertido no livro “Lutaram e sofreram por Abril – resistência no concelho da Covilhã (1926-1974)”, apresentado dia 24 no Salão Nobre da Câmara da Covilhã, às 17:30, e dia 3 de maio no Unidos do Tortosendo, às 21:30.

Os operários dos lanifícios representam o maior número desses presos políticos, seguidos dos mineiros e dos trabalhadores rurais, embora as detenções tivessem sido transversais a classes sociais e a profissões, ainda que os mais vulneráveis fossem o alvo mais comum.

António Assunção menciona as grandes greves de 1941 e 1946, em que se utilizou o método de prender uma grande quantidade de pessoas para acabar com as paralisações dos trabalhadores, proibidas na altura.

“Essas pessoas foram levadas como gado, foram torturadas em Caxias e esses nem processo têm, nem têm ficha, alguns até têm o nome errado escrito” nas ordens de serviço da polícia política.

O historiador, autor de vários livros, admite: “não pensei que chegasse a haver 500 e tal, é um número muito significativo”. António Rodrigues Assunção sublinha que a investigação não para e que “certamente serão mais”.

Para Casimiro Santos, a quantidade de nomes a que já se chegou “revela o sistema policial repressivo e persecutório que existia” e vinca que a possibilidade de atualizar esses dados está muito dependente da abertura de mais arquivos, como os do Governo Civil, GNR ou PSP.

António Assunção justifica o elevado número de prisões por a Covilhã ser um alvo de vigilância apertada da PIDE por ser um centro industrial com milhares de operários que viviam mal e por vezes se revoltavam por melhores condições, tal como a implantação do Partido Comunista no concelho, com células organizadas. Os salários eram muito baixos, as famílias numerosas, as casas insalubres e lotadas, as jornadas de trabalho muito prolongadas e “viam os filhos morrerem de fome”.

“A Covilhã foi um polo de resistência, não só pela grande massa de trabalhadores, mas por não ter sido gente submissa às condições de vida que tinha. Aqui lutaram pela melhoria das condições e também pela liberdade”, frisa Casimiro Santos, de 71 anos.

Ao longo dos 48 anos de ditadura, houve sempre detenções por motivos políticos, pelo que eram consideradas atividades subversivas, por delito de opinião. Casimiro Santos adianta que “há presos de quase todas as freguesias” do concelho da Covilhã.

Se nos lanifícios foram uma constante, nas minas a vigilância era imensa durante o auge da exploração, no II Guerra Mundial, dada a necessidade de volfrâmio e o preço a que era vendido.

Os assalariados rurais também foram “muito perseguidos”. Há registos em Vales do Rio, Dominguizo, Barco. Na década de 50 há movimentos significativos de camponeses, como em Verdelhos ou na Borralheira. Em 1958, os trabalhadores da Casa Garret, no Tortosendo, que trabalhavam de sol a sol e tinham de levar a enxada de casa, reivindicavam um horário diário de oito horas e três escudos por jorna. O movimento estendeu-se às quintas das redondezas e foram levadas 18 pessoas num camião para o Aljube.

No início da ditadura, alguns presos políticos foram deportados para Timor ou Angola logo no dia seguinte à detenção. Nos anos 60, após a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República, que despertou a consciência cívica de muitos cidadãos e também de padres e católicos progressistas – ao contrário da cúpula da Igreja católica, “uma serventuária do regime” – e da contestação à guerra colonial, os métodos da polícia política refinaram-se, segundo os autores.

“O regime tremeu e aumentou a repressão e as capturas”, refere António Assunção.

A arbitrariedade era também uma marca da PIDE. Havia pessoas detidas para averiguações, sem prazos definidos, e a quem nem eram instaurados processos. As penas, aplicadas em tribunais plenários, com sentenças já decididas pela polícia política, e não pelos juízes, tinham um prazo, mas que podiam depois serem prolongadas como medida de segurança por a pessoa pôr em perigo a segurança do Estado.

“Há pessoas que ficaram três meses, cinco anos a mais na cadeia e saiam em liberdade condicional e com vigilância apertada”, conta Casimiro Santos.

Os autores decidiram publicar o volume, de 800 páginas, “para trazer à lembrança a História daquele tempo, elucidar as gerações que não viveram no tempo da ditadura, para que a memória não seja esquecida nem branqueada”, salienta António Assunção.

Casimiro Santos considera importante mencionar “este passado tão doloroso para o povo português”, durante o qual tanta gente foi torturada e humilhada, “para nos lembrarmos que não queremos voltar a ser oprimidos”.

No livro, escrito em resposta a um desafio da União de Resistentes Antifascistas, que tinha uma lista com mais de 200 presos da Covilhã, há mais de cem páginas com resumos dos presos que têm processo organizado e ficha na Torre do Tombo, cerca de metade com foto, mais as listas dos que eram levados e só está registado o nome.

António Assunção assinala que as 510 pessoas referenciadas é um número que fica aquém do real, mas acrescenta que “a resistência são mais do que os que foram presos” e o concelho, neste capítulo, tem pergaminhos.

Os nomes até agora identificados foram projetados na fachada da Câmara da Covilhã na noite de dia 25, num espetáculo multimédia.

 

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