José Fragoso Henriques
Hendrik Johannes, seu nome de plebeu, nasceu em Amesterdão, mas foi nobilitado com o nome de “Johan” Cruijff, o melhor jogador-treinador da história de futebol. O estádio de futebol do seu Ajax tem o seu nome. Um complexo desportivo moderno e ousado como era Cruijff. Na vida e no futebol.

Na vida e no futebol Cruijff era um desafiador, um irreverente e um construtor de soluções encantadas. Uma criança frágil, de uma família pobre, não consigo escrever famílias de classes baixas, e posso não escrever, não sou economista ou sociólogo. O desporto era o seu céu, onde desenhava, desde cedo, constelações de jogadas que terminavam em viagens de sucesso, passes a longa distância, desmarcações, pequenos toques, tabelas, golos com o pé esquerdo, pé direito, cabeça. E sempre, mas sempre, com classe, com cheiro a cravo e canela. Títulos, campeonatos da Holanda, insisto em escrever Holanda, taças, campeonatos europeus de clube, mas nunca um título colectivo de nações. E tão perto esteve e seria tão justo. Essa é uma lição maior do futebol. A justiça é um bem escasso, raro e os deuses são invejosos. Tanto talento, energia e encantamento não podia ser honrado com a glória maior, a Taça Jules Rimet. Se fosse no tempo do Olimpo, Zeus seguramente que o encerraria no Labirinto de Creta, mas não seria suficiente. Cruijff seria capaz, também, de fugir do Labirinto de Creta como fazia das marcações cerradas, maldosas dos adversários. Conta-se que chegou a jogar a libero, no Barcelona, pois os seus adversários, no campeonato espanhol, seguiam-no, quais verdugos do pontapé nas pernas, por todo o lado. Desde miúdo que fiquei “congelado” na sua condução da bola, veloz, repentino a mudar de direcção, cabeça erguida. E nas costas, o número 14, que devia ser exclusivo dos semideuses. A Holanda, terra abençoada por água, tulipas, e futebolistas geniais, Rensenbrink, o falso irmão de Cruijff, Overmars, Bergkamp, Neeskens, Kluivert, Van Basten, Gullit entre dezenas mais, não teve outro 14 divino. Ainda bem. O Panteão do futebol tem lotação limitada. Cruijff enquanto jogador era já treinador, na liderança, na definição técnico-tática do futebol que as suas equipas praticavam. O futebol total, cada jogador a saber o que fazer em cada posição, em cada tempo antecipava conceito de aprendizagem que neste século foi popularizado, o conceito de competências. A dupla Michels – Cruijff “esmagou” os adversários, mas com talento, com elegância, quase gentilmente, no Ajax, na Laranja Mecânica e um pouco no Barcelona. O divino 14 transformava em arte tudo em que tocava. E talvez por causa de Cruijff, acredite, um pouco, nos dias bons, que a arte pode ser bela e revolucionária. O Barcelona gigante, o Dream Team é sua criação. O Barça encabeçou nesses anos, finais de oitenta a noventa, um movimento de reivindicação política face a Madrid. Cruijff, homem irrequieto, inquieto, com a vida, com o futebol, mas essencialmente com a sociedade. Sempre tomou e defendeu posições, sempre foi um jogador da margem do rio onde começa a estrada da liberdade, da luta pela felicidade que os Homens procuram e devem procurar. Com Cruijff, o Menino-Deus de Amesterdão, foi sempre “um pouco mais de azul”. Talvez, se Brel fosse ainda vivo compusesse uma nova canção, “Le jeune homme de Amesterdan”. Liberdades de cronista…
