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E que a Santa me proteja!

Graça Ribeiro

Investigadora

 

Nos já longínquos anos noventa, tinha eu vinte e poucos anos, talvez na minha primeira visita a Caria, onde infelizmente o meu pai nunca nos havia trazido, vim acompanhada de um dos meus irmãos, conhecer a terra dos nossos antepassados.

Chegados ao restaurante, perguntou o meu irmão, com ar fanfarrão, ao proprietário do mesmo: então, a D. Bebiana é a vossa cozinheira? O proprietário sorriu, e percebendo que eramos forasteiros, lá nos introduziu nessa longa tradição de Caria.

Embora tivesse ficado uma enorme curiosidade sobre a festa de Santa Bebiana, a padroeira das mulheres que são amantes “da pinga”, só anos mais tarde tive a oportunidade de assistir à mesma.

As descrições, sobre a festa, que já me haviam sido relatadas, não foram suficientes para evitar o espanto que tive quando assisti pela primeira vez à “procissão” e respetivos “sermões”. Nos “andores” os “santos” tinham um ar boémio e sorridente.

A santa Bebiana, estava vestida de forma atrevida, transmitindo até uma ideia de erotismo.  O Sr. Padre, que de representante da igreja tinha apenas a aparência, lá foi dizendo as orações pouco católicas, não as que eu tinha aprendido em casa e na catequese, e com as quais obviamente não se podia brincar, mas que em Caria haviam sido adulteradas integrando diversas alusões ao vinho e aos seus amantes. Para rematar, a música que tantas vezes tinha ouvido durante a missa, a Miraculosa Rainha dos Céus, modificada da mesma forma que as orações, transformada no que fazia lembrar um hino, e cantada por toda a comunidade.

Mas o que mais me admirou foi ver que a festa era um convívio intergeracional, onde havia avós e netos, onde a população de Caria estava unida, onde estavam presentes famílias inteiras, e as mesmas senhoras que encontrava a assistir à missa de domingo.

Entendi, nessa altura, que ainda que o Estado Novo tivesse tentado pôr fim à tradição, a irreverência dos Carienses voltou a fazer com que a mesma renascesse, e que eu mesma pudesse livremente cantar a plenos pulmões: “Sou Cariense preciso de beber / Juro e jurarei que beberei até morrer”.

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