André Leitão
Médico
Nestes tempos de aquecimento global, grandes enxurradas e furacões são fenómenos cada vez mais frequentes nos noticiários, que nos mostram os estragos devastadores sobre comunidades humanas que antes se julgavam a salvo da força irascível dos elementos. Ao vermos a foto da razia que sofreram estes belos liquidâmbares do parque de estacionamento da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS), podemos julgar que foram derrubadas por algum destes temporais assustadores. Terá a Serra deixado de servir de barreira protectora da Covilhã para com os ventos do Atlântico? Não, descansemos, foi apenas a habitual mão humana a fazê-las tombar, num dia de calmaria deste final de Verão.
Foi decisão da UBI (independente da FCS) este corte, no âmbito de um programa de investimento, financiado pelo PRR, que dotará a FCS de painéis fotovoltaicos para redução do consumo energético. As árvores foram sacrificadas para dar lugar a uma cobertura sombreada do parque de estacionamento existente. A sua sombra natural não seria suficiente para proteger por completo do sol os automóveis, esse sacrossanto objecto de culto da nossa civilização.
Locais alternativos de colocação para os painéis não faltavam, no largo espaço exterior da FCS, ou, melhor ainda, nos telhados planos dos edifícios da faculdade. Mas talvez essa solução fosse tecnicamente mais difícil do que pôr uma motosserra a remover rapidamente os obstáculos naturais existentes.
Para limpar a imagem deixada pelas 46 árvores cortadas, foram plantadas 53 árvores, até de espécies autóctones. Mas é bom recordar que entre o plantar uma pequena árvore e o esperar que chegue a uma árvore adulta vai um longo caminho, durante o qual várias poderão secar, como já aconteceu com algumas das tramazeiras e bétulas plantadas. E não será utópico pensar que esta plantação, em si meritória, poderia ter ocorrido mesmo sem terem de se abater as existentes…
Apesar de ser desejável o objectivo de aumentar o consumo de energia de fonte solar, renovável, este é um fim que não justifica todos os meios. Estamos a ficar com um país pejado de parques solares cuja instalação tem estado e estará a destruir valores ambientais relevantes, de forma incoerente e contraproducente em relação ao objectivo de combate às alterações climáticas com que são anunciados.
Podem estes liquidâmbares derrubados não representar uma perda ambiental assim tão significativa, é certo. Mas de uma Universidade, a instituição que deve liderar o conhecimento, e transmiti-lo às novas gerações, esperávamos mais. Que desse o exemplo à sociedade civil, colocando os painéis em cima das estruturas já edificadas. Que mostrasse, nesta altura em que o planeta grita com sinais de alarme, saber já respeitar mais a presença e contributo das árvores para um ambiente mais fresco, harmonioso e saudável. E que isso vale mais do que automóveis à sombra.