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Em louvor dos Namorados e do Amor

Carlos Madaleno

Santo António sempre foi o nosso santo casamenteiro, o zelador das promessas e suspiros de amor. Porém, de há uns anos para cá, viu o seu território invadido por São Valentim, o patrono dos namorados.  Curiosamente, no domínio deste último, as imagens que circulam não são as do Santo mas as de um anjinho rechonchudo, de arco e flecha apontados ao coração da alma que pretende fisgar. E pasme-se agora porque vamos encontrar essa mesma temática numa representação, datada do seculo XVIII, na igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Covilhã.

Trata-se de um conjunto de dez painéis que são atribuídos ao pintor local, Manuel Pereira que os terá executado por volta de 1700. Um olhar mais atento permite-nos identificar duas personagens e um terceiro elemento que se repetem em todos os painéis. Um anjo, que não o é efetivamente, mas sim a representação do Amor Divino, uma menina que representa a Alma e o terceiro elemento, o coração, não o Sagrado Coração de Jesus, como seríamos levados em crer numa primeira observação, mas o coração de cada um, enquanto recetáculo das sementes do Amor Divino que conduzirá a Alma à plena comunhão com Cristo. As pinturas que vemos nestes caixotões tiveram origem nos livros de emblemas, pelo que importa, antes de mais, clarificar este tipo de publicação.

Os livros de emblemas têm início quando, em 1531, Alciati um advogado de Milão, publica em Augsburg o Emblematum Liber, com ilustrações em xilogravura. A fórmula editorial, conjugando os caracteres móveis de metal para os textos e os bloquinhos da madeira das xilogravuras tornou-se num sucesso. Qualquer assunto podia ser emblemetizado: política, assuntos militares, natureza, amor e galanteria, entre muitos outros, no entanto o ensino religioso é dos temas que mais proveito retira dos livros ilustrados. No caso concreto, os livros que estiveram na origem das pinturas agora analisadas seguem como tema, o Amoris divini emblemata que tem origem na Metamorphoses, de Apúlio, um escritor clássico do século II. Apúlio, na sua obra relata as aventuras de Cupido (deus do amor) que casa com a bela mortal Psique (alma). Estas aventuras depois de provações e desafios terminam com a divinização de Psique sob o lema de que o amor tudo vence. Este tema clássico mereceu especial atenção a partir de 1469, data em que é traduzido. Em 1505, Agostinho Chigi, abastado banqueiro de Siena, constrói a villa Farnesina e na lógia desta, o pintor Rafael Sanzio executou uma série de frescos que ilustram as aventuras de Cupido e Psique escritas por Apúlio. Autores como Benedictus Van Haeften, monge reformador dos mosteiros de Flandres, ou o Jesuíta Hugo Herman nas suas obras respetivamente, Schola Cordis e Pia Desideria adaptam esta obra a doutrina cristã. Cupido será o Amor Divino, personificação do próprio Cristo que surge como Jesus Menino. Por sua vez a figura feminina chamada de Psique, Anima ou Alma, corresponderá à alma humana. Também aqui são colocados sucessivos obstáculos que a alma terá que ultrapassar, o que acontece com a ajuda do Amor Divino e também aqui, no final a Alma encontra a sua face divina.  Assim se conclui que terá sido a obra de Benedictus Van Haeftan, ou mais provavelmente uma das versões que se seguiram, em diversos países, a fonte inspiradora das pinturas agora analisadas. No final, resta a certeza de que no caminho espiritual, tal como no dia a dia, o Amor tudo vence.

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