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“Escrevo ficção para contar a verdade”

José Rodrigues dos Santos, jornalista e escritor, falou com o NC, na Feira do Livro de Lisboa. Sobre a sua obra, o gosto pela escrita, mas também sobre o seu trabalho de jornalista, e a relação deste com o romancista

Foi uma conversa-relâmpago, como se diz nas transmissões de futebol. Uma “flash-interview”. O autor encarava uma solarenga e quente tarde, para a última sessão de autógrafos da Feira do Livro de Lisboa. Ao cair do pano do evento, os (muitos) portugueses aproveitaram para as últimas compras, e para os últimos contactos com os seus artificies da escrita favoritos. É o caso de José Rodrigues dos Santos.

Nós, Notícias da Covilhã, fomos para a fila, e esperámos para uma pequena conversa de dez minutos com um dos mais vendidos escritores em língua portuguesa. E na verdade, uma das figuras mais conhecidas enquanto jornalista.

 

NC- Como surge a escrita?

 

JRS – Há um momento quem que me tornei escritor. Houve um “click”. Fiz a minha tese de doutoramento sobre reportagem de guerra que foi publicada, e na altura o presidente da Associação Portuguesa de Escritores leu-a e disse-me: eu acho que você é um romancista. Confesso que não fiquei muito entusiasmado e disse-lhe que sim, para agradar, mas mais tarde ele pediu-me para escrever um conto para uma revista literária. Eu não tinha grande vontade, mas como lhe devia um favor, não lhe podia dizer que não. E aceitei. Recuperei uma história perdida da minha tese de doutoramento passada em Timor, arranjei uma reportagem em ficção para a contar. E de repente entusiasmei-me, e o conto transformou-se num romance. O meu primeiro. A Ilha das Trevas. Publicado em 2002. Foi a partir daí que eu percebi que com a ficção, eu podia explicar coisa verdadeiras de maneira mais forte, do que com o discurso da não ficção. Viciei-me na ficção, e sobretudo na ideia de usar a literatura para contar coisas verdadeiras. A ficção é uma mentira. Então é usar a ficção para dizer coisas verdadeiras.

 

Lá está… falar verdade a mentir, como sugeria Almeida Garrett…

 

Posso usar a mentira para dizer coisas verdadeiras. Como o Kafka, em “O Processo”, em que através da ficção ele nos transporta para uma dura realidade. É assim que eu penso a literatura, é o meu “faz sentido”.

Como surgiu o processo criativo, as personagens que o têm acompanhado?

 

Eu escrevo aquilo que chamo “Mistério Real”, como o Tomás Noronha- uma espécie de Indiana Jones português, ficção na actualidade. E também escrevo romances históricos, e aí eu crio personagens especificamente para cada história que pretendo contar.

Já era um jornalista muito conhecido. Passou a ser um escritor muito conhecido, vende livros como poucos… isso mudou a sua vida? A forma como vê a sua percepção de viver?

 

A minha percepção mudou muito, claro. Os jornalistas são especialistas em generalidades ( risos, meus…), isto é, sabem um bocadinho de tudo, mas não sabem muito de nada. De manhã fazes uma história de um acidente na praça principal da Covilhã, à tarde cobres um assunto policial, e à noite estás numa reunião partidária… é tudo muito diferente. Com os romances, que são muito pesquisados, comecei a entrar em outras áreas do conhecimento. História, economia, geografia, política, filosofia, ciência, física, … e por aí fora. E até Inteligência Artificial. Entrei em profundidade em muitas áreas do conhecimento. E se tu aprendes muito enquanto escritor, não posso enquanto escritor fingir que não tenho esse conhecimento. Logo melhora-me como jornalista, mas do mesmo modo traz-me problemas. Como por exemplo, lidar com mitos que já estudei, e que não são muitas vezes como são do julgamento habitual. É isso…

 

Tem um romance preferido?

 

Gosto de todos de igual forma, embora tenha o “Anjo Branco”, que é a história do meu pai em África. Mas não vou dizer que é o meu favorito… Tenho por todos um carinho especial.

 

E esta produção, vais continuar a escrever a este ritmo?

 

Não sei… estou a ficar velho, gordo e careca. Não sei se conseguirei aguentar, mas para já tenho estado com um por ano.

 

Continua a sentir-se bem no papel de jornalista?

 

Sim, continuo a gostar muito de ser jornalista, e é um trabalho que se complementa com o de escritor. O meu trabalho de romancista ajuda-me a ser melhor jornalista.

 

Até quando vai apresentar o Telejornal?

 

Até às 9 da noite!

PERFIL

José Rodrigues Santos é moçambicano. Nasceu na Beira. Fez 60 anos a 1 de Abril, Dia das Mentiras. É verdade. Fez-se jornalista em Macau no início da década de 80. Esteve na BBC e na CNN. Em 91 apresentava o 24 Horas, noticiário de fim de noite da RTP 1. Estava “no ar” quando as tropas americanas entraram em Bagdad, no Iraque, iniciando a primeira Guerra do Golfo. Nunca mais saiu “do ar”. Já lá vão… é fazer as contas! Foi Director de Informação da RTP.

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