“Estamos fartos de escolher, pagar a renda ou comer”. Foi este um dos gritos entoados na tarde de sábado, 27, na manifestação pelo direito à habitação, organizada pelo movimento “Porta a Porta”, no Pelourinho. Num momento que reuniu mais de 30 pessoas, ouviram-se músicas do Sérgio Godinho, entoou-se a necessidade de “paz, pão, saúde, habitação” para todos e até se aprovou uma moção.
Entre os presentes está Andreia Félix, 37 anos. É uma de tantas pessoas que sofre com o aumento das rendas. “O aumento dos preços das rendas afeta-nos a todos. Sou uma pessoa separada, tenho dois filhos a meu encargo e, de facto, temos de nos manifestar para que alguma coisa mude”, admite. “O preço da minha renda é bastante elevado, por isso é realmente um esforço bastante grande. Vivo nos arredores da Covilhã, mesmo por causa dos preços das habitações e mesmo assim já estão elevados”, confessa Andreia Félix. “No meu caso, eu tenho carro, mas há muitas pessoas que não têm essa possibilidade e tendo filhos, é uma ginástica diária”, considera a mulher que afirma que “tudo isto vai influenciar a saúde mental das pessoas”. “Estamos a sofrer muito em todos os aspetos”, diz.
“O direito à habitação é um direito que está consagrado na Constituição da República e que está por cumprir”, relembra Vladimiro Vale, 50 anos. “Fruto de terem deixado isto muito nas mãos do mercado, acabou por se tornar num amplo negócio que está a atingir contornos alarmantes, com dificuldades de muitos jovens e também de pessoas idosas para obterem casa e manterem a casa que têm”, explica o dirigente do PCP, presente na concentração. “Foram aprovadas leis injustas, isto requer uma mobilização das pessoas e é por isso que eu estou aqui, também”, diz Vladimiro. “A luta é que faz avançar as coisas. Do céu, só cai a chuva, o resto é luta”, insiste.
Apesar de ser desejo de todos que estivessem mais pessoas presentes, Vladimiro Vale considera que “todas as ações de esclarecimento e mobilização contam para chamar a atenção para este drama que está a ser o problema da habitação em Portugal. Os movimentos e o barulho que fazemos é o que condicionará as opções de futuros governos. A luta determinará aquilo que será a margem que os próximos governos terão para continuarem a ‘empurrar com a barriga’ este problema”, elucida.
A representar os amigos que não puderam estar presentes está Rita Videira, 23. “Tenho amigos que tiveram de ir estudar para fora, porque não havia o curso que eles queriam aqui e que sentiram muita dificuldade em pagar a casa e as propinas ao mesmo tempo, porque são muitas despesas. Mesmo que os meus amigos não estejam cá, estou cá eu a lutar por eles”, conta a jovem. “Quero ir fazer mestrado para fora e já me estive a informar. Vou pagar, no mínimo, 250 euros por um quarto, mais as despesas que se acumulam ao estar fora. É em Aveiro, então também preciso de pagar o transporte, as propinas, a alimentação e as despesas diárias. Portanto, vou precisar de um salário inteiro para poder ir estudar para fora”, lamenta a estudante.
Rita admite que haja muitos jovens que desistam de ir estudar para fora para poupar as despesas aos pais. “Há cada vez mais pessoas que optam por cursos que há mais perto da sua zona de residência, ao invés dos cursos que realmente querem seguir, e que não existem perto das suas casas, para não terem de gastar dinheiro aos pais. Se os dois pais trabalharem, um dos salários vai todo para o filho que está a estudar fora. É muito complicado”, diz a rapariga, que admite que a distância e os valores a pagar são, cada vez mais, fatores de escolha. “Conheço uma rapariga que estava a estudar medicina e de repente, um dos pais ficou desempregado e ela teve de desistir do curso a meio do ano, porque não conseguia pagar as propinas e estar cá a viver, a pagar renda e despesas”, exemplifica.
“Os valores das bolsas também acabam por ser insuficientes, até porque temos de ter contrato e recibo e há muitos senhorios a arrendar quartos a estudantes que não passam recibo do que estamos a pagar”, lamenta Rita Videira.
Num movimento que se realizou em 19 cidades do país, na Covilhã, o grupo aprovou uma moção, em que pede para se baixarem as prestações e as rendas, com a regulação das mesmas e o alargamento da duração dos contratos, assim como o fim dos despejos e das desocupações, entre outras medidas.