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Grato Manuel, pela irreverência

António Pinto Pires

Professor

O Manuel da Silva Ramos foi, mais uma vez, homenageado na terra que o viu nascer. Um ato emanado do meio académico, a nossa UBI. Direi mais, uma homenagem justificada e merecida, sobretudo pelo seu percurso de escritor, tendo escrito uma das suas “Bíblias” sobre a Covilhã, “O Café Montalto.”

Conheço o Manuel vai para umas quatro décadas e tenho acompanhado o seu percurso. Tal como foi sublinhado pelos oradores, muitos dos temas se têm circunstanciado pela sua articulação com casos reais, diria, marginais, que na imprensa sensacionalista não vão para além das parangonas. O Manuel parte para o terreno e esmiúça até ao tutano tudo o que está relacionado, e a obra surge.

Não foi um percurso fácil o deste refugiense que decidiu ser escritor enquanto jovem e após ter lido “Uma Família Inglesa” de Júlio Dinis, não obstante os conselhos adversos de seu pai, o mítico alfaiate do mesmo local, Armando Ramos, que o advertia para a pobreza existencial a que os escritores estavam votados, dando-lhe como exemplo Luís de Camões.

Mas o Manuel cresceu num laboratório da oralidade. Pela alfaiataria de seu pai, desfilaram inúmeras personagens e narravam-se imensas histórias, muitas tecidas e urdidas pelos acrescentos vinícolas que davam colorido, e porque não sabor, às narrativas que iam emergindo. Como refere a própria tradição oral, o seu destino estava ditado.

Com 20 anos, publica a sua primeira obra na então editorial Inova, “Os três seios de Novélia”, valendo-lhe uma excelente distinção, e um prémio de 20 contos, ao tempo muito dinheiro. Sabemos que seu pai, não querendo dar o braço a torcer, chorou em silêncio quando viu esta publicação na montra de uma livraria de Coimbra.

O que sempre apreciei na sua personalidade, e talvez o cimento da nossa persistente amizade, foi a sua perene irreverência, uma caraterística que atravessa todas as obras, para além de outras. Não obstante a ficção, há sempre uma dose de muita realidade surreal.

“O Café Montalto”, e tal como sucede com muitos escritores, foi o seu ajuste de contas com a memória e o passado, daquele rapaz que nas manhãs gélidas de invernia, tal como muitos homens e mulheres, calcorreavam diariamente o caminho do Refúgio para a Covilhã. Acompanhei de perto o emergir deste escrito, muito dele tecido por entre as viagens de comboio entra a Covilhã e Lisboa, tendo sido hilariante este vasculhar da memória, ainda a tempo de agarrar “in situ” algumas das personagens que já partiram. O retrato possível da Covilhã elitista, onde as classes sociais estavam bem demarcadas.

A Covilhã tem muitas e diversas identidades. Já não só os trapos ou os fios. Muitas outras que têm emergido por entre o meio artístico. E levanta-se a questão, premente em meu entender, até aqui tratada de forma muito intermitente. O campo da escrita. Não fora a UBI, e seria uma pasmaceira. Para dizer que é mais que tempo de se pensar numa iniciativa literária que coloque a cidade na dianteira. Vejam-se a propósito os festivais de escrita de Óbidos, Póvoa do Varzim, ou recentemente Braga, entre outros.

O Manuel foi merecedor da iniciativa, sugerindo não dever esgotar-se por aqui, restando-me sublinhar o seu legado que muito me marcou, a irreverência. Grato por isso.

 

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