O incêndio que devastou a Serra da Estrela tirou “quase tudo” à pastora e agricultora Liliana Correia, que esperava, na véspera do passado sábado, que o jogo da seleção de futebol sub-21, que se realizou no sábado na Covilhã, frente à Geórgia (vitória dos lusos por 4-1), servisse para “alertar para o problema”.
A Liliana, 34 anos, não tem palavras para explicar aos três filhos pequenos o negro que se perde de vista à volta da casa e da quinta, em Vila do Carvalho, concelho da Covilhã, onde deflagrou o incêndio que consumiu mais de 25% do Parque Natural da Serra da Estrela durante 12 dias, em agosto.“Foi uma catástrofe. O que não ardeu, foi arrastado depois pela água”, conta Liliana Correia, que, com as enxurradas pós-incêndio, sofreu uma inundação em casa que a fez perder também eletrodomésticos, móveis e roupa, misturados com pedras, cinza, lama e outros detritos.
As chamas já lhe tinham antes destruído as culturas, barracões, canos e depósitos de água para as cabras e ovelhas, que, desde 06 de agosto, não saem à rua, por não haver de que se alimentarem e porque as cinzas são tóxicas, além de quase todos os animais prenhes terem abortado.
Num primeiro momento, valeu-lhe a ajuda dos Guardiões da Serra da Estrela, associação de voluntários que vive de donativos, e tem entregado aos pastores feno, rações, água e ajudado a reparar tubagens, numa ajuda “de emergência”. “Têm sido uma segunda família para nós no pouco em que podem ajudar”, salientou, à agência Lusa, Liliana Correia, sobre a associação para a qual reverteu na totalidade a receita do jogo de preparação de Portugal para o Campeonato da Europa de 2023. Os 1.100 bilhetes postos à venda ao público, a dois euros cada, esgotaram , dando uma casa cheia no Estádio Santos Pinto.
Sara Boléo, da direção dos Guardiões, sublinhou já terem recebido anteriormente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) “15 toneladas de feno” e espera que o gesto simbólico de fazer o jogo na Covilhã tenha servido para que mais voluntários se juntem para ajudar a mitigar “a catástrofe”. “A FPF, ao trazer o jogo para a Covilhã, sensibiliza para a divulgação do problema, valoriza o trabalho dos Guardiões e a urgência no apoio à continuidade do trabalho dos Guardiões”, acentuou a covilhanense Sara Boléo, segundo a qual se pode ajudar através de dinheiro, donativos em géneros ou com a força do próprio trabalho nas ações que estão no terreno.
Segundo Sara Boléo, as ajudas institucionais nem sempre chegam em tempo útil e, no que toca à alimentação dos animais, “se o ano já estava a ser difícil, devido à seca”, a ajuda aos pastores tornou-se fundamental. “O que aconteceu foi avassalador e as enxurradas agravaram a catástrofe. Pastores que tinham perdido quase todo o seu pasto, ficaram agora com os lameiros que sobraram soterrados com terra e pedras”, descreveu a voluntária.
A prioridade, além de ajudar na alimentação para os animais, passa por trabalhar na contenção dos solos e proteção das linhas de água, para evitar mais aluimentos, proteger os solos da erosão e a qualidade da água.
O selecionador dos sub-21, Rui Jorge, manifestou-se sensibilizado pelo sofrimento da população e esperava de alguma forma a contribuir.“Viemos à Covilhã não pelas melhores razões, mas com muito gosto, a tentar ter uma proximidade com uma zona que sofreu um flagelo. Estamos aqui a dar a nossa pontinha de ajuda, que sabemos que é muito pouca, comparado com o que é necessário”, frisou o treinador.
O avançado Fábio Silva, emprestado pelos ingleses do Wolverhampton aos belgas do Anderlecht, enfatizou “o privilégio de poder ajudar as pessoas afetadas”. “Para nós é importante o jogo reverter para uma causa solidária, porque a região passou por um momento difícil e faremos tudo para ganhar o jogo, darmos-lhe essa alegria”, vincou Fábio Silva.
De referir que no passado sábado, responsáveis da FPF, no caso, o ex-internacional Pedro Pauleta, visitou, na companhia do presidente da Câmara da Covilhã, Vítor Pereira, algumas das zonas queimadas no concelho.